Família é vista como mobilizadora da construção de novas políticas públicas

Marília Moschkovich comenta que não é possível determinar uma política pública única para as famílias brasileiras, devido a questões históricas, econômicas e culturais

 27/06/2023 - Publicado há 10 meses
A família é mobilizada na construção de políticas públicas por conta da relação com o Estado – Foto: 123RF
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Pesquisa desenvolvida na Universidade de São Paulo estuda a família como orientadora de políticas públicas, debruçando-se no programa Famílias Fortes do governo de Jair Bolsonaro. “Num primeiro momento, eu mapeei a maneira como essa instituição família e o discurso sobre ela apareciam nessas políticas do governo Bolsonaro. Num segundo momento, eu comecei a tomar uma política pública específica [Famílias Fortes] para tentar olhar, de forma um pouco mais detalhada e um pouco mais detida, o impacto que essa nova forma de abordar família nas políticas públicas de direitos humanos poderia ter”, explica Marília Moschkovich, autora da pesquisa e professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Estado e família

A família é mobilizada na construção de políticas públicas por conta da relação com o Estado. “O Estado trabalha com a categoria família já em políticas públicas quase desde sempre. Embora a gente faça uma divisão entre o aspecto público e privado, é claro que o Estado regula a família, porque ele regula o casamento, regula a distribuição e a circulação de bens simbólicos, de acesso a serviços, um monte de coisas que passam pela família”, diz Marília.

Marília Moschkovich – Foto: USP-academiia.edu

Apesar dessa relação, houve uma mudança no entendimento de como as famílias ocupam espaços nas políticas públicas. “No governo Bolsonaro, existiu uma construção discursiva sobre o papel da família, em específico nas políticas públicas de direitos humanos. Isso foi uma coisa nova. A gente via bastante a figura da família como uma forma de o Estado conseguir executar políticas públicas de maneira mais eficaz na assistência social, até nas políticas públicas de saúde e educação. A diferença é que, quando a família é trazida para políticas públicas de direitos humanos, há um deslocamento discursivo que esse governo operou de que a família não seria um meio para a execução de políticas públicas preocupadas com os sujeitos, ela passa a ser o próprio sujeito ou cidadão, como se ela fosse um sujeito de direitos em si mesma.” Nesse entendimento, se viu a necessidade de criar políticas públicas que preservassem a família e a fortalecessem. O problema, segundo Marília, é que as famílias não são homogêneas nem iguais entre si e, portanto, não devem ser analisadas dessa maneira. 

Diferenças familiares

“Em nenhum momento, na documentação da Secretaria Nacional de Família que tinha no governo Bolsonaro ou na definição do próprio programa, está dito que tem que ser uma família de um homem e uma mulher. Isso não está colocado, a priori, de uma forma explícita”, elucida a pesquisadora. No entanto, ainda que o discurso privilegie um formato de família, as particularidades de cada família vão muito além da sexualidade dos indivíduos que a compõem. “A gente tem pessoas que convivem muito com os avós, pessoas de várias gerações na mesma casa, porque as pessoas não têm como ficar comprando casa, no Brasil, a gente tem um problema com acesso à moradia e também com desigualdades de renda. Então, as pessoas não têm acesso a certos bens que deveriam ser mais acessíveis. É uma experiência de construção de laço familiar que já é mais diversa do que esse modelo tradicional de família.” Essas diferenças fazem com que não seja possível delimitar um modelo rígido para as políticas públicas. 

Experiência gerada pela pesquisa

A pesquisa ainda está em curso. “É difícil a gente saber exatamente quais são os impactos de forma muito concreta, porque esse programa não deixou de existir, ele ainda existe, embora não seja um foco do Ministério. Inclusive, faz parte do momento atual da minha pesquisa acompanhar e ver onde isso vai parar”, comenta Marília. A mudança recente de Ministério, com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, faz com que seja necessário esperar mais tempo para fazer uma avaliação. 

No entanto, já é possível concluir que a perspectiva sobre modelos ideais de família não deve influenciar as políticas públicas. “O discurso que está por trás disso é a ideia de que problemas sociais, como alcoolismo na juventude ou abandono escolar, que a gente sabe que tem a ver com diversas outras tramas complexas da sociedade, seriam resolvidos com as pessoas sendo felizes nas suas famílias. Ou seja, se essas pessoas tivessem uma construção moral como indivíduos que se adequassem a um certo padrão de família em que todo mundo fosse feliz, então esses problemas seriam resolvidos”, conclui. 


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