Em setembro de 2020, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinou um contrato para a produção e distribuição das vacinas Oxford/AstraZeneca no Brasil. Nesse contrato, há algumas cláusulas consideradas abusivas, que podem prejudicar o já complicado calendário de vacinação no País.
Ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa), comenta que apenas as partes genéricas do contrato estão disponíveis para o público. Os detalhes foram vistos somente por alguns deputados, que tiveram acesso limitado às cláusulas negociais. Segundo o professor, a análise dos documentos foi feita a partir das informações trazidas por esses deputados.
De acordo com Aith, essas informações já permitem perceber algumas cláusulas abusivas. “O cronograma de entrega, seja dos insumos ou das vacinas prontas, é bastante elástico no contrato”, afirma. O documento previa uma entrega até julho de 2021, mas é possível que um acordo político tenha sido feito para antecipar essa entrega, o que não está acontecendo. Para Aith, essa situação nos deixa numa posição muito desfavorável, já que a AstraZeneca não cumpre o que está definido contratualmente.
Há ainda outro limite estabelecido: o acordo da AstraZeneca com a Fiocruz prevê a disponibilização de 200 milhões de doses da vacina, o que permite a vacinação de 100 milhões de pessoas. Esse número não é suficiente para imunizar toda a população brasileira, que precisará contar com outras vacinas, como a do Instituto Butantan com a farmacêutica Sinovac.
Entretanto, os contratos do Butantan também não indicam doses suficientes para vacinar a parcela restante da população. “Se der tudo certo, de acordo com o que está nos contratos, nós vacinamos, até o final do ano, três quartos da população brasileira”, afirma Aith. Com esses números, cerca de 60 milhões de pessoas não terão previsão de receber qualquer imunizante em 2021.
O professor afirma que o monopólio de produção e comercialização das vacinas por parte das indústrias farmacêuticas e a alta demanda pelas poucas doses disponíveis permitem que as fabricantes imponham suas condições. Essas cláusulas são consideradas abusivas em situações normais, mas na condição emergencial da pandemia são aceitáveis. “Não faz sentido o governo federal ficar gritando tanto contra essas cláusulas”, ressalta Aith. “O presidente Bolsonaro criticava as cláusulas que a Pfizer queria impor ao Brasil, mas a Fiocruz fez um contrato com cláusulas muito semelhantes”, acrescenta. Para o professor, o problema é justamente o discurso contraditório do governo em relação ao mesmo fato.
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