Apesar da sua importância, a biodiversidade vem sendo ameaçada principalmente pelas mudanças no uso e ocupação do solo, mudanças climáticas, poluição, exploração direta e pela presença de espécies exóticas e invasoras. Portanto, é urgente implementar estratégias para evitar ou conter a rápida destruição que estamos causando, como a criação e manutenção de áreas protegidas. Um sistema adequado de áreas protegidas é considerado o pilar das estratégias globais de conservação da diversidade biológica.
As áreas protegidas são espaços geográficos definidos, reconhecidos e gerenciados de forma a atingir a conservação do meio ambiente em longo prazo. Nesses espaços, o ambiente deve ser conservado e as atividades humanas são restritas a usos compatíveis com os objetivos de cada tipo de área. Devido a esse grau especial de proteção, as áreas protegidas são fundamentais para a sobrevivência de espécies sensíveis a alterações em seu ambiente e daquelas que necessitam de grandes áreas de vida para manterem suas populações.
No Brasil, as áreas protegidas são implantadas em terras públicas e privadas, e em zonas rurais e urbanas. As mais tradicionais são as Unidades de Conservação (UCs), Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs). Além dessas áreas, há as terras indígenas e quilombolas que são destinadas à proteção dessas populações que habitam tradicionalmente suas terras. As áreas verdes urbanas também são um tipo de espaço protegido e fornecem diversos benefícios percebidos em seu interior, como temperaturas mais amenas, maior umidade e melhor permeabilidade do solo à água da chuva.
As UCs são previstas pela Lei nº 9985/2000 e são classificadas em dois grupos – proteção integral e uso sustentável. As UCs de proteção integral, em geral, possuem regras mais restritas para acesso da população. No entanto, há categorias voltadas para a visitação pública, como os parques, que protegem paisagens de relevância ecológica e beleza cênica e são amplamente valorizados pela população. Algumas UCs de uso sustentável, por sua vez, estão associadas com a permanência de comunidades tradicionais, como as Reservas Extrativistas, que têm como um de seus objetivos o uso sustentável dos recursos naturais aliado à subsistência da população extrativista.
A APP (Lei 12651/2012) é uma área coberta ou não com vegetação que tem como objetivo proteger as funções exercidas por áreas dotadas de certa fragilidade, como o entorno de cursos d’água, lagoas, nascentes, encostas e topos de morros, restingas, manguezais, entre outras. Já a Reserva Legal (Lei 12651/2012) constitui uma porcentagem da propriedade rural que é ocupada com vegetação nativa e tem como objetivo o uso sustentável dos recursos naturais e a conservação da biodiversidade. A implementação desses dois espaços é obrigatória, sendo essencial para que as propriedades rurais façam o uso adequado dos recursos naturais.
No Brasil, do total de vegetação nativa remanescente, 32% estão dentro de UCs e terras indígenas, enquanto a maioria (68%) encontra-se em terras privadas ou sem titulação. Isso reforça a importância estratégica das terras privadas para a manutenção da biodiversidade e do bem-estar humano! Ainda que algumas espécies habitem áreas intensamente manejadas pelos humanos, outras têm sua sobrevivência e deslocamento prejudicados devido ao isolamento das áreas protegidas, que muitas vezes ficam rodeadas por áreas urbanas, agrícolas e estradas. Esse isolamento impede a reprodução entre as populações de espécies, o que pode levar a extinções locais. Nesse sentido, APPs, RLs e áreas verdes urbanas são elementos-chave na paisagem para facilitar o deslocamento de animais e plantas entre os diferentes tipos de áreas protegidas.
Tendo em vista a grande variedade de áreas protegidas e a complexidade envolvida no planejamento da paisagem e no regramento do uso da terra para que elas sejam implantadas e tenham sucesso, são muitos os interesses e os conflitos. Historicamente, a criação de áreas protegidas no Brasil foi marcada por decisões tomadas de cima para baixo, sem o envolvimento das populações locais, como a criação de UCs de Proteção Integral em áreas previamente ocupadas por comunidades tradicionais. Como resultado, as pessoas foram removidas dos locais em que viviam, muitas vezes sem uma postura ética e justa de indenização ou respeito à cultura local. Esse processo também resultou na sobreposição de áreas que possuem regras de uso e posse contrastantes, como terras indígenas, UCs e propriedades privadas, o que leva a divergências sobre o modelo de ocupação da terra e resulta em conflitos socioambientais.
Outro desafio para a consolidação das áreas protegidas como estratégia de conservação é a insuficiência de recursos para gestão das UCs frente a amplas ameaças como a perda e degradação de habitat, espécies exóticas invasoras, caça e exploração insustentável dos recursos naturais. Ainda, para além das UCs, as APPs e Reservas Legais em áreas privadas nem sempre são mantidas pelos proprietários e propostas de retrocessos na proteção dessas áreas por vezes despontam no Poder Legislativo.
Considerando esses desafios, para atingir a conservação e recuperação das áreas protegidas de forma justa, defende-se a interlocução entre os diferentes atores interessados. É necessário que todos os atores sejam incluídos no processo de tomada de decisão, além de considerar todos os diferentes interesses envolvidos e buscar ações conciliadoras. Dessa forma, haverá legitimidade nas decisões, além de engajamento e comprometimento dos atores, questões fundamentais para o sucesso de estratégias em longo prazo. Admite-se que o grande desafio contemporâneo é saber como articular os diferentes olhares da sociedade e da ciência, desde as disciplinas sociais aplicadas até as ciências ambientais e exatas.
É imprescindível estimular a relação dialógica entre gestores públicos, sociedade civil e universidades, em espaços coletivos e democráticos, base para o acontecimento de uma função participativa em projetos de conservação da biodiversidade. É nesse sentido que o Programa USPSusten, coordenado pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) da USP, entendendo o desafio da integração e diálogo, busca articular e integrar diversas esferas do conhecimento a fim de enfrentar cientificamente as questões socioambientais.
Por meio do financiamento de pesquisas de pós-doutorado, o programa visa gerar conhecimento para a construção de sociedades sustentáveis, a conservação do meio ambiente e a formação de recursos humanos comprometidos com tais objetivos. As pesquisas do núcleo “Biodiversidade” do Programa USPSusten se alinham com esse propósito e trazem contribuições para a gestão das áreas protegidas e seu diálogo com a sociedade, pois se concentram em analisar:
• as compensações ambientais em UCs,
• o uso público das reservas ecológicas da USP,
• as medidas de mitigação e compensação de impactos ambientais de empreendimentos,
• e a efetividade de políticas públicas para conservação e uso sustentável da flora ameaçada de extinção, valorizando a sociobiodiversidade.
Tais temas são desenvolvidos junto a diversos atores não acadêmicos, buscando diminuir a lacuna entre ciência e prática, um dos grandes desafios para a conservação da biodiversidade.
* Adriana Sandre e Ligia Maria Barrios Campanhão, pós-doutorandas no Programa USPSusten da Superintendência de Gestão Ambiental da USP
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