Missões científicas Sul-Sul: intercâmbio de habilidades e de soluções para problemas comuns

Por Federico David Brown Almeida, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP

 08/05/2023 - Publicado há 12 meses

Já existem homens de ciência isolados e alguns laboratórios ou escolas de qualidade na América Latina. Mas é evidente que ainda estamos atrasados em pesquisa e ensino… Não sei se será daqui a 10, 50, 100 ou 500 anos, mas espero que chegue o dia em que a América Latina seja um vigoroso centro de pesquisa científica original, sempre que os homens de hoje e os de amanhã lutemos vigorosamente, com o máximo de nossas forças, para alcançá-lo.
Bernardo Houssay, 1954 (Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1947)

Federico David Brown Almeida – Foto: Arquivo pessoal

 

Entre os dias 6 e 10 de março ocorreu a primeira Escola de Verão TYAN TWAS, em La Paz, capital da Bolívia. A Young Affiliate Network of The World Academy of Sciences (TYAN TWAS) é um programa da Unesco que envolve cientistas e organizações que trabalham para o avanço da ciência em países em desenvolvimento. O evento teve como um dos seus objetivos promover encontros para fortalecer a comunidade científica do Sul global e recebeu mais de 450 inscrições da Argentina, Bolívia, Chile, China, Egito e Índia, entre eles alunos de graduação e pós-graduação, pós-doutorandos, professores e pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa bolivianos, tanto públicos quanto privados. A primeira Escola de Verão TYAN TWAS deu início a uma série de eventos que continuarão a acontecer na Bolívia, bem como em outros países da nossa região, onde a capacidade em ciência e tecnologia é ainda modesta.

Embora conferências e congressos sejam ótimas ocasiões para apresentação de resultados e transmissão de conhecimento, existem muito menos eventos em que abordagens experimentais, análise de dados, ferramentas de pesquisa e habilidades científicas possam ser compartilhadas entre pesquisadores do Sul global, os quais muitas vezes têm de lidar com desafios científicos semelhantes, como: acesso a suprimentos e equipamentos, altas taxas de importação de reagentes, licenças e regulações burocráticas, flutuações no financiamento de pesquisas, entre muitos outros. Assim, para aprimorar a pesquisa e aumentar a produção científica de qualidade em nossa região, as missões Sul-Sul podem ajudar a abordar tais desafios para que os atores da produção científica na América Latina pensem em soluções de maneira mais simétrica.

A Academia Nacional de Ciências (ANC) da Bolívia, fundada em 1860 e uma das primeiras academias de ciências das Américas, e a Universidad Mayor de San Andres (UMSA) serviram de sede da primeira Escola de Verão TYAN TWAS. A professora boliviana Leslie Tejeda (Carrera de Ciencias Químicas, UMSA) teve um papel determinante como organizadora do evento. Palestras magistrais em temas científicos de amplo interesse para a comunidade, abordando pesquisas em ciência da conservação, desenvolvimento sustentável e programas de ciência, tecnologia e inovação (STI) no Sul global, foram abertas para um público variado, incluindo pesquisadores, discentes e pessoas fora da academia. Professores da Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica e Equador ministraram cursos temáticos teóricos e práticos com o objetivo principal de compartilhar um conjunto de ferramentas e habilidades em ciências químicas e biológicas de fácil implementação por cientistas bolivianos. Durante os cursos, os participantes desenvolveram propostas de projetos em temas de interesse local. Paralelamente, a equipe de professores realizou vários encontros com funcionários de alto escalão, incluindo o vice-ministro da Ciência e Tecnologia, representantes do Ministério da Educação, o reitor da UMSA, o vice-presidente da ANC e os embaixadores da Costa Rica e da Argentina, com a intenção de obter mais apoio financeiro e institucional local para continuar a realizar esses eventos no futuro.

Os impactos das iniciativas de cooperação Sul-Sul já são previsíveis. A primeira Escola de Verão TYAN TWAS na Bolívia, realizada em março, provou ser um tremendo sucesso. Alguns dos resultados concretos imediatos (apenas um mês após o evento!) incluem: alunos bolivianos de graduação e pós-graduação capacitados para expandir suas pesquisas junto aos professores convidados, pesquisadores da América Latina se unindo para criar vínculos regionais e colaborações científicas, e professores locais capacitados para realizar novas sessões práticas e aplicar novos métodos experimentais em seu trabalho.

Após uma semana de intenso trabalho acadêmico, reflexões pós-evento e contatos com a mídia para dar visibilidade a essas ações, temos o prazer de anunciar pelo menos dois eventos de continuação a este primeiro, na Bolívia, com amplo apoio de órgãos locais, um que acontecerá ainda este ano e outro em 2024. Esperamos que esses eventos sirvam para desencadear esforços cada vez maiores das missões Sul-Sul para superar a estagnação científica entre comunidades científicas geograficamente próximas, mas isoladas, e gerar força de pesquisa por meio da união.

________________
(As opiniões expressas nos artigos publicados no Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.