Energia solar: contribuições para o desenvolvimento sustentável

Por Lira Luz Benites Lazaro, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP

 06/02/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 15/02/2023 as 17:00
Lira Luz Lázaro – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

 

Embora haja alta irradiação solar na região latino-americana, apenas foram registrados 25 projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para a fonte solar fotovoltaicos até julho de 2021, dos quais apenas um do Brasil. Esta baixa adesão ao MDL pode estar relacionada a dois fatores principais. Em primeiro lugar, o baixo preço dos créditos certificados de redução de emissões (CERs). Em segundo lugar, devido à incerteza nas negociações no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para um acordo além do Protocolo de Kyoto e sua continuidade no âmbito do Acordo de Paris.

Ao longo das negociações do artigo 6 do Acordo de Paris, os governos procuraram garantir que as novas regras do mercado de carbono internacional aprendessem com o histórico misto do MDL, isto é, reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), ajudando assim os países desenvolvidos a cumprir seus compromissos quantificados e, por outro lado, promover o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento.No âmbito do Protocolo de Kyoto, os projetos MDL com maior registro na Convenção do Clima foram os relacionados às energias renováveis. O MDL desempenhou um papel importante no aumento da participação no mercado de fontes renováveis e nos investimentos na diversificação das fontes de energia. Contribuiu para os planos de transição energética, uma vez que o papel das energias renováveis na redução da dependência de combustíveis fósseis é reconhecido como essencial para a transição para fontes de baixo carbono.

Nossa análise dos projetos de MDL na energia solar indicam lacunas nas contribuições para o desenvolvimento sustentável nas suas dimensões econômica, social e ambiental. Por exemplo, a transferência de tecnologias é mencionada nos projetos, mas na verdade o que ocorre é a importação de equipamentos e o treinamento de trabalhadores locais para manusearem essas tecnologias, o que indica uma dependência aos mercados externos e não implica necessariamente no desenvolvimento da indústria solar local. O envolvimento da comunidade e a igualdade de oportunidades de gênero continuam a ser desafios. A geração de emprego, na etapa de implantação dos empreendimentos, foi a contribuição mais presente nos projetos.

Enfatizamos que questões de uso de terra para cultivo de alimentos e para instalação de painéis solares ainda são negligenciadas nestes projetos. Geralmente, não existe um planejamento espacial adequado para a instalação de energia solar ou eólica na América Latina, pois grandes fazendas solares podem ocupar espaços destinados à agricultura, conflitando com a produção de alimentos e a demanda de terra associada. Assim, o planejamento espacial e energético não deve ser percebido como separado e distinto, mas sim como um continuum de análises setoriais que levam a soluções ótimas, e os conflitos de terra são problemas potenciais emergentes do impulso para esses projetos. Assim, os indicadores de uso da terra devem ser considerados nas políticas energéticas e climáticas para reduzir os usos competitivos de terras agrícolas, florestas manejadas e os impactos do desmatamento para construção e instalação de usinas solares fotovoltaicas.

Ressalta-se a necessidade de políticas nacionais de energia e clima na região, estabelecer diretrizes/normas para avaliar os cobenefícios para o desenvolvimento sustentável de projetos de redução de GEE, alinhadas com as novas regras do mecanismo de mercado de carbono, Agenda 2030 da ONU, e a transição energética. Os projetos de MDL, desde que entraram em vigor em 2005, receberam críticas por serem percebidos como uma falsa solução para mitigar as mudanças climáticas, porque legitimam o aumento das emissões de GEE ao fornecer uma maneira barata para os países poluidores evitarem tomar medidas sérias sobre as mudanças climáticas e pela sua pouca contribuição para o desenvolvimento sustentável.

Conforme discutimos no artigo recém-publicado na Energy Policy, que teve participação dos professores Celio Andrade e Janaina Ottonelli da Universidade Federal de Bahia e da professora Simone Abram da Durham Energy Institute, essas críticas refletem as contradições de algumas soluções de mudança climática que podem trazer externalidades negativas e perversidades tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades em que esses projetos são implementados. Porquanto o próprio conceito de transição energética envolve dilemas éticos, não implicando necessariamente uma transição ou transformação política. Esses projetos, sejam eles de energias fósseis ou renováveis, seguem mentalidades coloniais e de dependência em muitos países em desenvolvimento.

Por fim, defende-se que o novo mecanismo de mercado do Acordo de Paris, artigo 6.4, não deve apenas priorizar a dimensão econômica – comercialização dos créditos de carbono, mas também ser mais enfático em termos de normas/regras para verificar se os projetos de redução de GEE contribuem para o desenvolvimento sustentável, sem que surjam novos custos de transação.

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