A Estação Biológica de Boraceia: um santuário de biodiversidade e pesquisa científica

Por Marcelo Duarte, diretor do Museu de Zoologia (MZ) da USP, Luís Fábio Silveira, vice-diretor do MZUSP, Aléssio Datovo, chefe técnico da Divisão Científica do MZUSP, e Renato de Oliveira e Silva, chefe da Seção de Apoio à Estação Biológica de Boraceia

 19/07/2023 - Publicado há 9 meses
Marcelo Duarte – Foto: Arquivo pessoal
Luís Fábio Silveira – Foto: Arquivo pessoal
Aléssio Datovo – Foto: Arquivo pessoal
Renato de Oliveira e Silva – Foto: Arquivo pessoal

 

 

A biodiversidade abrange o conjunto de espécies e ecossistemas que sustentam a vida em nosso planeta. Desde as profundezas oceânicas até os picos nevados, passando por desertos e florestas, nosso planeta abriga uma variedade impressionante de formas de vida. Dentro desse complexo sistema, certas regiões se destacam como hotspots de biodiversidade, caracterizados pela concentração expressiva de espécies não encontradas em nenhum outro lugar e por estarem frequentemente ameaçadas de desaparecer. A região neotropical, que se estende desde o sul dos Estados Unidos até o sul da América do Sul, abriga a maior biodiversidade do planeta e concentra diversos hotspots conhecidos.

O Brasil é o maior país desta região, e os seus biomas abrigam uma biodiversidade pouco conhecida, especialmente entre grupos como invertebrados, bactérias e fungos. Apesar de ser o país mais biodiverso do planeta, estimativas apontam que as cerca de 200 mil espécies brasileiras conhecidas representam aproximadamente 10% de sua real biodiversidade. Além disso, a maior parte de um dos mais importantes hotspots, a Mata Atlântica, se encontra em nosso país. Esse bioma, que originalmente se estendia desde as montanhas isoladas no interior do Ceará até o Rio Grande do Sul, é o mais devastado do país. Restam apenas 14% da cobertura original da Mata Atlântica e, desse restante, 84% ainda sofrem perdas expressivas em biomassa e número de espécies. Ainda assim, os remanescentes desse bioma abrigam uma inestimável riqueza biológica, além de fornecerem serviços ecológicos para mais de 70% da população brasileira.

A Estação Biológica de Boraceia (EBB) se localiza na Mata Atlântica e protege um grande número de espécies, muitas delas exclusivas desta localidade. Essa reserva biológica foi criada pelo Decreto-lei nº 23.198 de 16 de março de 1954, e desde então vem sendo administrada pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), e é uma das áreas mais bem pesquisadas e conservadas do bioma.

O Museu de Zoologia da USP, por sua vez, é reconhecido como uma unidade de excelência em ensino, pesquisa e extensão universitária. Desde 2011, seu Programa de Pós-graduação em Sistemática, Taxonomia Animal e Biodiversidade forma profissionais altamente qualificados para estudar, compreender e descrever a biodiversidade do planeta. Através desse programa, os estudantes são capacitados com conhecimentos teóricos e práticos em taxonomia, sistemática e conservação, preparando-os para enfrentar os desafios da pesquisa e preservação da biodiversidade.

A localização estratégica da EBB na Mata Atlântica, mais especificamente no município de Salesópolis, a aproximadamente 100 km da cidade de São Paulo, a torna um ponto central para cientistas e pesquisadores que buscam compreender e preservar a biodiversidade única da região. Situada em uma das áreas mais representativas e ameaçadas desse bioma e dentro do Núcleo Padre Dória, do Parque Estadual da Serra do Mar, a EBB oferece acesso privilegiado a uma diversidade de ecossistemas e espécies endêmicas. A região enfrenta desafios significativos de conservação devido ao desmatamento, fragmentação de habitats e outras atividades humanas, resultando em impactos negativos na biodiversidade da Mata Atlântica, o que potencializa a relevância da EBB, que desempenha um papel fundamental ao oferecer um refúgio para espécies ameaçadas e vulneráveis, proporcionando um espaço protegido para estudos científicos, observação e iniciativas de conservação. A extensão da EBB, com 100 hectares, é particularmente significativa uma vez que 80% dos fragmentos restantes de Mata Atlântica possuem menos de 50 hectares.

Por esses motivos, a EBB atrai, desde a sua fundação, pesquisadores de várias regiões do Brasil e de alguns outros países dedicados a desvendar os segredos da biodiversidade neotropical. Esses cientistas, muitos dos quais colaboradores dos docentes e alunos do MZUSP, embarcam em expedições para a EBB e suas áreas circundantes, coletando espécimes, conduzindo levantamentos e documentando a riqueza de sua flora e fauna. Por meio de seus esforços meticulosos, nos últimos 10 anos, esses pesquisadores já contribuíram para a descoberta e descrição de mais de 30 táxons novos para a EBB, ampliando assim nosso entendimento da biodiversidade única do Brasil. Os estudos empreendidos por décadas a fio fazem da EBB uma das localidades mais bem conhecidas e monitoradas ao longo do tempo em toda a Mata Atlântica. Por isso, ela serve de parâmetro para a medida da degradação ambiental que afeta outras áreas desse bioma. Além disso, a EBB tem desempenhado um papel fundamental fornecendo material de estudo para a produção de inúmeras dissertações e teses, moldando o conhecimento e as perspectivas de futuros taxonomistas, sistematas e conservacionistas (Mariposas na Boraceia indicam preservação da Mata Atlântica no local). A EBB também tem recebido visitas de diversas instituições de pesquisa, incluindo, somente nos últimos cinco anos, mais de 20 instituições nacionais e as principais do continente americano e da Europa, fortalecendo, assim, as parcerias científicas e o intercâmbio de conhecimento.

Além de sua contribuição para a pesquisa científica, a EBB desempenha um papel fundamental na educação e na conscientização da biodiversidade. Programas de graduação e pós-graduação utilizam a EBB como um laboratório vivo, proporcionando uma experiência prática e a oportunidade de estudar de perto ecossistemas diversos. Os estudantes têm a chance de aprender sobre a importância da biodiversidade, os desafios da conservação e as estratégias para preservar os ecossistemas. Essa abordagem integrada de ensino e pesquisa fortalece a formação dos futuros conservacionistas e biólogos.

A importância da EBB e da Mata Atlântica como um todo não pode ser subestimada no contexto dos esforços globais de conservação. Considerando a Mata Atlântica como um dos biomas mais ameaçados do mundo, preservar sua biodiversidade única assume uma importância primordial. O papel da EBB como centro de pesquisa, educação e conservação contribui para a missão mais ampla de proteger o patrimônio natural do Brasil e preservar a integridade ecológica da região neotropical.

À medida que enfrentamos os desafios do século 21, é crucial reconhecer o valor intrínseco da biodiversidade e a urgente necessidade de proteger e restaurar ecossistemas frágeis. A EBB representa mais uma luz de esperança, sendo um testemunho do poder da pesquisa científica, da educação e da colaboração em prol da conservação. Ao abraçarmos a oportunidade de estudar e preservar a biodiversidade do Brasil, especialmente na região neotropical, podemos dar passos significativos para proteger nosso patrimônio natural para as futuras gerações. Através de pesquisas contínuas, iniciativas de conservação e conscientização pública, podemos caminhar em direção a um futuro sustentável, onde a biodiversidade e os ecossistemas permaneçam íntegros.

A Estação Biológica de Boraceia exemplifica a interseção entre pesquisa científica, educação e conservação na busca pela preservação da biodiversidade. Seu papel no avanço do nosso entendimento dos ecossistemas neotropicais e brasileiros é de extrema importância. À medida que os pesquisadores continuam a descobrir novas espécies, explorar interações ecológicas e desenvolver estratégias de conservação, a EBB se torna um ponto central para esforços colaborativos envolvendo acadêmicos, agências governamentais e comunidades locais.

Além disso, a localização da EBB no Brasil, um hotspot global de biodiversidade, destaca a importância de suas contribuições. O Brasil abriga uma impressionante diversidade de espécies, tornando-se um protagonista fundamental na conservação global da biodiversidade. Proteger e estudar a biodiversidade dentro da EBB e na ampla Mata Atlântica é crucial para a saúde geral do planeta e para manter o delicado equilíbrio de nossos ecossistemas interconectados.

Ao concluir queremos ressaltar que a região neotropical, especialmente o Brasil, é um tesouro de biodiversidade. A Estação Biológica de Boraceia desempenha um papel importante na revelação dos mistérios dessa biodiversidade, promovendo a educação e guiando os esforços de conservação. Ao preservar e estudar as espécies e os ecossistemas únicos encontrados dentro da EBB, podemos contribuir para um melhor entendimento do nosso mundo natural e trabalhar em direção a um futuro sustentável.

Juntos, podemos garantir a preservação de nosso valioso patrimônio natural para as gerações futuras. A USP, uma instituição renomada na área da pesquisa científica, tem desempenhado um papel significativo nesses esforços. Foi classificada recentemente como a terceira instituição no mundo em número de publicações sobre biodiversidade (USP é a terceira universidade do mundo que mais publica artigos sobre biodiversidade). Essa posição reforça o compromisso da USP com a pesquisa e a divulgação do conhecimento sobre a biodiversidade, incluindo, certamente, os estudos realizados na Estação Biológica de Boraceia.

Agradecimentos: Gostaríamos de expressar nossos sinceros agradecimentos a todos os docentes, discentes, servidores e colaboradores do Museu de Zoologia da USP e da Estação Biológica de Boraceia. Em especial, queremos destacar o senhor Firmino Rodrigues Gomes, servidor de manutenção da EBB há mais de 49 anos que está prestes a se aposentar. Sua dedicação incansável tem sido fundamental para as pesquisas, o ensino e, principalmente, para o conhecimento e a conservação da Mata Atlântica. Agradecemos a todos os envolvidos pelo trabalho conjunto e compromisso em preservar nossa biodiversidade.

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