Sobre os 10% do PIB para a educação pública

Por Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP

 08/03/2024 - Publicado há 2 meses

Duas ideias foram incorporadas na luta pelo adequado financiamento da educação pública no Brasil. Uma delas é o uso do produto interno bruto como referência; a outra é adotar o valor de 10% dele para superar os atrasos acumulados.

Essas duas ideias apareceram explicitamente no final da década de 1990 na proposta de um Plano Nacional de Educação (PNE), resultado da colaboração de dezenas de entidades científicas, estudantis, sindicais, profissionais e de administradores públicos ligados ao setor educacional e congregadas no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Suas bases aparecem detalhadamente na proposta encaminhada à Câmara dos Deputados (PL 4155 de 1998, que pode ser encontrada em seu sítio). Vejamos aqui um resumo desse embasamento.

Como estávamos e onde queríamos chegar

O objetivo daquela proposta de PNE era fazer com que, em dez anos, o País alcançasse padrões educacionais próximos daqueles apresentados na época pelos países da América do Sul com melhores indicadores educacionais. Embora fosse um significativo avanço, isso ainda nos deixaria em uma situação inferior àquela daqueles países, uma vez que eles também apresentariam evoluções positivas no período. Entretanto, seria um grande passo adiante.

Em meados da década de 1990, apenas cerca da metade das crianças completava o ensino fundamental, sendo a taxa de conclusão do ensino médio ainda mais baixa. No ensino superior, essa taxa era da ordem de 10%. Entre os objetivos do projeto estavam a universalização da conclusão do ensino fundamental e a ampliação da taxa de atendimento no ensino superior público para 40%. Mas isso não seria possível de imediato, pois para expandir o ensino superior é necessário, antes, expandir o ensino médio. E para expandir este, seria necessário aumentar, antes, a taxa de conclusão do ensino fundamental. Assim, foram elaboradas uma série de planilhas que apresentavam uma evolução temporal de todos os níveis educacionais de forma consistente, até atingir o desejado padrão em dez anos.

Havia, ainda, a previsão de redução da evasão escolar e das taxas de reprovação, a inclusão de jovens e adultos no sistema educacional e a formação de professores para atender ao aumento da quantidade de estudantes.

Para estimar os recursos necessários, um dos referenciais adotados foi o gasto por matrícula, entre 25% e 30% da renda per capita nacional no caso da educação infantil e da educação básica e no caso do ensino superior, valores comparáveis ao que era e é aplicado em países com bom sistema educacional.

Considerando a proporção de crianças e jovens na população e o porcentual deles a ser incluído no sistema escolar, o impacto inicial elevaria os gastos com educação pública para cerca de 7% do PIB (na época, abaixo de 4%). Ao longo de uma década, os investimentos cresceriam até atingir cerca de 10% do PIB. Superados os atrasos e dependendo da proporção de jovens e crianças na população, provavelmente investimentos posteriores da ordem de 7 ou 8% do PIB poderiam ser suficientes.

Embora parte das propostas tenha sido incorporada no PNE aprovado em 2001, o valor do financiamento fora primeiramente reduzido para 7% do PIB e, finalmente, vetado pela Presidência da República. Assim, sem recursos, as metas não foram atingidas. Consequentemente, em comparação com os demais países da América do Sul, o Brasil está entre uma situação entre muito ruim, quanto à taxa de analfabetismo adulto, e intermediária, quanto à inclusão nos diferentes níveis de ensino.

Quanto aos aspectos qualitativos, continuamos em uma situação bastante precária, como ilustram os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Vale lembrar que esse programa inclui apenas jovens na faixa etária dos 15 anos, matriculados em escolas e que estejam cursando pelo menos o sétimo ano, sendo o Brasil um dos países com maior proporção de jovens não incluídos no estudo, quer por estarem fora da escola, quer por terem uma defasagem idade/série muito grande. Caso esses jovens fossem incluídos na avaliação, o desempenho brasileiro seria ainda pior.

Conclusão

Para criar e manter um bom sistema educacional, são necessários recursos financeiros e a falta deles é suficiente para impedir o desenvolvimento educacional de um país. Países que superaram atrasos tão grandes como os nossos investiram cerca de 10% de seus PIBs em educação pelo menos por algum tempo; não há nenhum país que consiga manter um sistema educacional adequado sem investir pelo menos cerca de 30% de sua renda per capita por criança ou jovem estudante. Não há por que imaginar que o Brasil conseguiria superar seus atrasos e manter um sistema educacional adequado sem os recursos necessários.

Vale lembrar, finalmente, que o pequeno aumento dos recursos para a educação pública nas últimas décadas, combinado com uma redução na proporção de crianças e jovens entre 5 e 24 anos no País – que caiu de cerca de 40% em meados da década de 1990 para menos do que 30% em anos mais recente –, poderia dar algum alento. Mas mesmo essa pequena esperança de melhoria está sob ataque, como mostram as propostas que visam reduzir os recursos para a educação pública.

Se queremos dar ao País e à próxima geração alguma chance de desenvolvimento social e de crescimento econômico, precisamos impedir esse ataque e intensificar a luta pelos recursos necessários à educação pública.

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