Afinal, o que é assédio?

Por Heloísa Buarque de Almeida, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 20/12/2022 - Publicado há 1 ano

Com o fim do isolamento de dois anos que a Universidade sofreu por conta da pandemia de covid-19, algumas docentes voltam a atender vítimas de assédios – como fazíamos desde 2015. A pesquisa feita na USP em 2017 (Interações na USP: primeiros resultados, 2018) revela que o termo assédio foi muito usado para mencionar as festas e abordagens sexuais entre colegas. Neste mapeamento, declararam ter sofrido algum tipo de abuso sexual 11% das mulheres, 2% dos homens e 74% das pessoas com outras identidades de gênero (trans ou não binárias). Alguns episódios mais recentes chegam eventualmente às ouvidorias, às comissões de direitos humanos ou a docentes que acabam atendendo discentes e servidoras que sofrem esse tipo de agressão. O problema volta a assombrar mesmo após casos de docentes exonerados por conduta inapropriada terem repercutido na imprensa.

As universidades precisam encarar o tema, e provavelmente essa luta será longa. Desconfio que o quadro é mais grave ainda noutros espaços de trabalho, em que o tema nem é tocado – como nas empresas privadas, no Judiciário e no jornalismo. Não é fácil transformar estruturas hierárquicas que estão atravessadas pelas desigualdades de gênero, mas também de raça, classe e sexualidade, de modo bastante complexo. No entanto, é preciso reconhecer o peso das hierarquias acadêmicas na produção de relações violentas, muitas vezes marcadas por humilhações ou ameaças.

Mas o que é assédio? E o que é preciso fazer para enfrentá-lo? Este será o tema desta e das próximas colunas.

Trago algumas definições ou descrições de atos que podem ser classificados como “assédio sexual” no ambiente universitário. Segundo o folder Vamos falar sobre assédio sexual, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2016), o assédio sexual “é uma manifestação sensual ou sexual, alheia à vontade da pessoa a quem se dirige. Ou seja, abordagens grosseiras, ofensas e propostas inadequadas que constrangem, humilham, amedrontam. É essencial que qualquer investida sexual tenha o consentimento da outra parte”.

Na vida universitária, a questão do consentimento se torna complexa, pois é atravessada pelas hierarquias acadêmicas, como professor que constrange alunas, mas também entre colegas. O assédio sexual se constitui pela insistência de uma pessoa em relação a outra que não corresponde ao interesse sexual, ou por um abuso físico como toques indesejados, piadas ou brincadeiras humilhantes. Nas universidades, a hierarquia atravessa as relações como entre professor e estudantes, ou orientador e aluna; ou mesmo hierarquias entre discentes, como entre o monitor e estudantes, ou veteranos e calouros; e entre servidor ou docente numa relação com uma servidora que é sua subordinada.

Alguns tipos de situações podem exemplificar: orientador que insiste que a aluna saia com ele ou não poderá finalizar seu trabalho (por vezes é nota final do semestre, ou TCC, mestrado, doutorado), ou que promete bolsas ou outras benesses, caso a aluna venha “tomar um vinho” em casa. Professor que telefona para alunas de primeiro ano e as convida para sair, deixando muitas vezes a aluna surpresa e sem reação. Servidor – pode ser docente – que se sente no direito de ser galanteador ou paquerador especialmente diante de funcionárias ou colegas docentes que são suas subordinadas e que, mesmo quando dizem que não querem, não são ouvidas.

Do ponto de vista das vítimas, é complexo dizer “não” de modo enfático, por temer retaliações do docente ou de seu superior. Mesmo quando a pessoa que se vê agredida ou ameaçada reage e explicitamente expressa que não quer, ela não é ouvida. O efeito dessas relações pode ser devastador, e a evasão de alunas, a demissão ou a carreira afetada de professoras e servidoras por problemas de saúde decorrentes dessas agressões são encontradas com frequência.

É preciso falar de assédio para entender do que se trata e refletir como construir um ambiente acadêmico sem agressões.


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