Programa Diogo de Sant’Ana Pró-Catadoras e Pró-Catadores

Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 23/02/2023 - Publicado há 1 ano

A data de 13 de fevereiro de 2023 será lembrada como mais uma conquista de catadoras e catadores de reciclagem no Brasil e, acima de tudo, deve ser também um simbólico marco para aqueles que lutam pela construção de um país socialmente mais justo e sustentável.

Em prestigiada cerimônia, com a presença de ministros como Marina Silva, Silvio Almeida, Fernando Haddad, Márcio Costa Macedo e representantes de associações de catadoras e catadores do País, o presidente Lula assinou o Decreto nº 11.413, instituindo o Certificado de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa, e o Decreto nº 11.414, instituindo o Programa Diogo de Sant’Ana Pró-Catadoras e Pró-Catadores para a Reciclagem Popular e o Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis.

Os decretos de 2023 recolocam catadoras e catadores como agentes centrais na política de reciclagem nacional. Recolocam pois já eram parte da política desde 2010, quando se constituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e, poucos meses depois, nascia o programa Pró-Catador. Este último decreto, contudo, foi revogado dez anos depois, no contexto de desmonte de outras políticas nacionais de caráter social.

Com o Programa Diogo de Sant’Ana Pró-Catadoras e Pró-Catadores, o governo volta a reconhecer a importância dos quase 1 milhão de catadores existentes no País, que trabalhando individualmente ou organizados em cooperativas e associações populares atuam na coleta, triagem, processamento, transformação e comercialização de materiais reutilizáveis e recicláveis.

O reconhecimento das catadoras e dos catadores como protagonistas do processo de reciclagem, conforme o decreto, deve fomentar a capacitação e formação dos profissionais, ampliando os meios, as técnicas e o conhecimento exigidos na cadeia da reciclagem. Ao mesmo tempo, por meio do decreto, o programa estimula a contratação remunerada das entidades do setor, apoia a criação linhas de créditos especiais para cooperativas e associações de catadores e estabelece um compromisso do governo federal – por meio do Comitê Interministerial para a inclusão de catadoras e catadoras – para o fortalecimento de programas que garantam a plena inclusão socioeconômica destes atores no processo de reciclagem.

A celebrada conquista para catadoras e catadores foi compartilhada com uma emocionante homenagem ao advogado Diogo de Sant’Ana, que nomeia o renascimento do programa. Formado pelo Largo São Francisco, Diogo trabalhou no gabinete da Presidência da República e da Casa Civil durante os governos de Lula e Dilma Rousseff e, como secretário executivo da Presidência da República de Dilma, foi responsável pelo Marco Legal das Organizações Sociais e defensor das pautas de catadoras e catadores. Seu prematuro e trágico falecimento, em 31 de dezembro de 2020, aos 41 anos de idade, infelizmente interrompeu brilhante trajetória intelectual e política, norteada por um ideal de inclusão social.

A promulgação dos decretos coroa sua atuação junto aos catadores, devidamente reconhecida por parte das associações e cooperativas, resultado de sua incessante preocupação de atingir resultados concretos na defesa de pautas populares e dos direitos humanos. Como ilustra sua sustentação oral no Supremo Tribunal Federal, em nome da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis, quando defendeu a inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que retiravam benefícios fiscais de consumidores de sucatas. Com a defesa de que a compra de sucata deveria gerar crédito de PIS e Cofins para as empresas, Diogo de Sant’Ana atuou para reverter a distorção tributária da lei então em vigor, que não somente retirava os incentivos para o uso de materiais recicláveis, mas, acima de tudo, comprometia a renda dos trabalhadores envolvidos na cadeia da reciclagem. Em suas palavras, a revogação deveria promover “a defesa do meio ambiente e a promoção da inclusão social no Brasil”.

Por meio de uma causa, do reconhecimento e promoção das políticas em defesa de catadoras e catadores, Diogo de Sant’Ana sintetizou um projeto de Brasil: olhando para o passado, pautou um país que precisa enfrentar sua histórica desigualdade econômica e social, por meio da inclusão e da construção de políticas de valorização dos trabalhadores; olhando para o futuro, colocou a reciclagem como tema de central relevância para lidar tanto com a política de resíduos como com a preservação dos recursos naturais.

Para aqueles que compartilharam o convívio com Diogo de Sant’Ana, impossível não reconhecer sua generosidade e humanidade. Deixa para nós um legado inspirador e um projeto de Brasil, que deve priorizar o enfrentamento da pobreza do País.

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