Mulher indígena enfrenta condicionamento cultural e obstáculos na aplicação da Lei Maria da Penha

Mulheres indígenas também são vítimas de violência doméstica e ao acessar as medidas previstas na Lei Maria da Penha encontram tantos obstáculos que na maior parte dos casos se sentem mais vitimizadas do que protegidas

 28/07/2022 - Publicado há 2 anos     Atualizado: 04/11/2022 as 15:53
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Indígenas – Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
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A discussão da existência do feminismo indígena encontra resistência até mesmo em meio às mulheres indígenas. A explicação é a desconfiança em função de experiências que elas tiveram com organizações feministas que, “sem entender a realidade cultural dessas mulheres, agem como se elas tivessem que ser salvas de uma cultura naturalmente machista, e como se elas não fossem capazes de enfrentar e lutar nesse contexto”, relata a professora Priscilla Cardoso Rodrigues, da Universidade Federal de Roraima e coordenadora do Observatório de Violações de Direitos Humanos de Roraima, a convidada da professora Fabiana Severi na série Mulheres e Justiça desta semana.  

Priscilla Cardoso Rodrigues – Foto: Reprodução/Linkedin

Priscilla atua há 18 anos na defesa dos direitos dos povos indígenas na Amazônia brasileira e diz que na verdade as mulheres indígenas têm e sempre tiveram lugar importantíssimo na cultura indígena, exercendo funções importantes. “Esse lugar ocorre de uma relação específica que essas mulheres mantêm no seu território. Elas representam o feminino sagrado e são reconhecidas como as principais guardiãs do conhecimento, da cultura e da espiritualidade do seu povo.” 

A partir desse lugar, diz Priscilla, elas falam e lutam contra a discriminação, a violência de gênero e violações de seus direitos como mulheres, mas também é uma luta coletiva por um ser indígena. 

“Lutas que não costumam ser contempladas por outros feminismos e que, além disso, não se separam das lutas dos homens indígenas. Por isso, essa grande dificuldade até de estudiosas e pesquisadores em  reconhecer o feminismo indígena, o que não significa que essas mulheres não se organizam para discutir questões como violência de gênero e representatividade em espaços de poder, tanto dentro como fora da aldeia.”

Mulheres indígenas e a violência doméstica 

Mesmo com todo o protagonismo dessas mulheres, elas também  são vítimas de violência doméstica e, ainda, para seu enfrentamento se deparam com condicionamentos culturais e obstáculos linguísticos e geográficos.

Segundo Priscilla, a Lei Maria da Penha também foi importante para a mulher indígena, mas o grande consenso entre elas é que essa Lei e seu aparato estatal, para prevenção, acolhimento e enfrentamento da violência doméstica, não funciona para elas. “Toda vez que as mulheres indígenas tentam acessar as medidas trazidas pela Lei Maria da Penha, os obstáculos são tão grandes que na maior parte dos casos elas se sentem mais vitimizadas do que protegidas”. 

A professora relata que para acessar o aparato previsto na Lei Maria da Penha, as mulheres indígenas enfrentam barreiras linguísticas, pois muitas não falam português e os órgãos estatais não estão preparados com tradutores e intérpretes para fazer a tradução, tanto linguística como a intercultural. Enfrentam ainda barreiras culturais, uma vez que a forma de ser, viver e ver o mundo é diferente da visão ocidental. 

A localização de suas comunidades e aldeias também se impõe como um grande obstáculo. “Muitas vezes esses órgãos e serviços públicos, de acolhimento da mulher vítima de violência doméstica, ficam muito distantes e elas não têm nem condições econômicas e nem uma logística para acessá-los. “Com tantos obstáculos, todo o aparato da Lei Maria da Penha acaba não funcionando para elas, por isso é importante conhecer essa realidade específica das mulheres indígenas, muitas vezes invisibilizada para grande parte da sociedade brasileira. Se queremos uma legislação realmente efetiva para as mais diferentes mulheres é fundamental que além de uma abordagem interseccional a Lei Maria da Penha tenha uma abordagem intercultural.”

A série Mulheres e Justiça tem produção e apresentação da professora Fabiana Severi, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, e das jornalistas Rosemeire Talamone e Cinderela Caldeira - Apoio: Acadêmica Sabrina Sabrina Galvonas Leon - Faculdade de Direito (FD) da USP Apresentação, toda quinta-feira no Jornal da USP no ar 1ª edição, às 7h30, com reapresentação às 15h, na Rádio USP São Paulo 93,7Mhz e na Rádio USP Ribeirão Preto 107,9Mhz, a partir das 12h, ou pelo site www.jornal.usp.br

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