Exclusão e sofrimento marcam vida de imigrantes haitianos em SP

É preciso repensar as políticas públicas e criar mais instrumentos para acolher essas pessoas, mostra pesquisa

 04/10/2018 - Publicado há 5 anos
O pesquisador José Ailton Rodrigues dos Santos, da Faculdade de Saúde Pública da USP, acompanha a imigração haitiana para São Paulo desde 2004, quando o Exército Brasileiro foi para o Haiti, atendendo aos apelos da ONU – Foto: Laura Daudén/ Conectas.Org via Fotos Públicas

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Estudo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP com imigrantes haitianos mostra que as políticas públicas para essa população precisam ser repensadas, além da necessidade de se criar mais instrumentos públicos e privados de acolhimentos na sociedade, tanto desses como de outros imigrantes que chegam diariamente ao município de São Paulo.

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A pesquisa foi desenvolvida pelo sociólogo José Ailton Rodrigues dos Santos, que estuda o tema há 14 anos. O trabalho descreve com detalhes o sofrimento deste recorte de imigrantes, mensurando o elevado grau de exclusão, invisibilidade e, principalmente, grande “sofrimento social”. Homens em idade produtiva, sãos e motivados são levados a uma situação de privações de toda ordem, de amargura, revolta e muitos questionamentos sobre a realidade brasileira e sua constituição racial e social.

O pesquisador acompanha a trajetória da imigração haitiana para São Paulo desde 2004, quando o Exército Brasileiro foi para o Haiti, atendendo aos apelos da Organização das Nações Unidas (ONU). Neste período, Ailton vem acompanhando situações de sofrimento e exclusão pelas quais esses imigrantes têm passado em sua trajetória desde Porto Príncipe, capital do Haiti, até a capital paulista.

O pesquisador se colocou na situação dos imigrantes, passando noites em pensões ocupadas tradicionalmente por esse público e dormiu na rua para fazer companhia a um haitiano que não tinha mais a quem recorrer.

Enquanto o Brasil e o mundo assistem a uma das maiores ondas migratórias da história, após a Segunda Guerra, São Paulo tem recebido esses imigrantes negros que não falam o idioma local e que se somam às mazelas sociais da metrópole, com resposta imediata de altas cargas de racismo e xenofobia.

Neste sentido, a pesquisa questiona se a maior metrópole do Brasil tem correspondido às expectativas desses imigrantes a partir do olhar deles. Para responder a essas indagações, o trabalho apresenta uma revisão de algumas das principais abordagens teóricas sobre migração e sofrimento social. Para além dessas abordagens e para realizar essa pesquisa, Santos adotou uma metodologia lastreada na etnografia, que humaniza o trabalho científico a partir de relatos reais de personagens que compõem o cenário, além de conceituações teóricas de outros pesquisadores.

Dormindo na rua, sentindo na pele

Em certos momentos da pesquisa e para melhor compreender o dia a dia da vida dos imigrantes, o pesquisador se colocou na situação dos mesmos, passando noites em pensões ocupadas tradicionalmente por esse público, dormiu na rua para fazer companhia a um haitiano que não tinha mais a quem recorrer, visitou inúmeras vezes o Baixo Glicério (região central da capital paulista) e a Missão Paz (uma entidade que acolhe imigrantes) para, minimamente, sentir na pele o que muitos sentem todos os dias desde que chegam à cidade de São Paulo.

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“O Brasil abriu suas fronteiras para os haitianos de forma não planejada e, ao longo desses anos, graças a ações políticas dos ativistas locais, os primeiros passos em relação à cidadania da pessoa imigrante já foram dados. O mundo vive uma condição ímpar de migração, onde a ONU estima que sejam mais de 65 milhões de pessoas nessas condições. E sabemos que esse número pode ser muito maior”, reflete Santos.

“As fronteiras do Brasil, antes mesmo de o país ter resolvido as demandas humanitárias em relação aos haitianos e, anteriormente, aos bolivianos, por exemplo, hoje já enfrentam uma nova onda migratória proveniente da Venezuela. Temos notícias de que em Roraima há uma situação muito complexa de risco social com a chegada de cada vez mais venezuelanos, inclusive uma tribo indígena, que enfrenta toda a sorte de risco social e sem o lastro legal das instituições brasileiras, que supostamente estariam no papel do “acolhimento” humanitário”, denuncia o pesquisador.

A tese de doutorado Haitianos em São Paulo – exclusão, invisibilidade social e sofrimento social teve o objetivo de registrar como os imigrantes haitianos se relacionam com as características da capital paulista e da cultura nacional, enfrentando toda ordem de dificuldades e sofrimento social que uma trajetória sem planejamento ou estudo pode oferecer a seus protagonistas.

A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A defesa ocorreu no último dia 21 de setembro, na Faculdade de Saúde Pública, sob orientação do professor Rubens de Camargo Ferreira Adorno.

(Da Assessoria de Comunicação da FSP)

Mais informações: e-mail imprensafsp@fsp.usp.br, na Assessoria de Comunicação Institucional da FSP


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