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Na Amazônia pré-histórica, calor e clima estável ajudaram no surgimento de jacarés gigantes
Estudos de fósseis e projeções climáticas da época do Mioceno indicam a relação entre o ambiente de altas temperaturas e o desenvolvimento evolutivo de grandes crocodilianos
Algumas espécies conhecidas entre os jacarés gigantes do Mioceno são o Purussaurus brasiliensis (à direita) e o Mourasuchus amazonensis (à esquerda) – Arte: André Martins
O Mioceno corresponde à época geológica que teve início aproximadamente 23 milhões de anos atrás. Estendendo-se por mais de 17 milhões de anos, ela marca uma fase de grande desenvolvimento e diversificação de espécies de animais e plantas. Em artigo publicado na revista científica Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, pesquisadores da USP relacionaram as condições climáticas de altas e estáveis temperaturas do passado com o surgimento de jacarés gigantes na região ocidental da Amazônia. O estudo da linhagem Caimaninae indica que a evolução de seu tamanho foi resultado de condições ambientais combinadas do período.
Os caimanines são popularmente conhecidos como jacarés e habitam predominantemente as Américas do Sul e Central. “Temos o grupo maior, Crocodylia, que é dividido em três: gaviais, crocodilos e jacarés. Esses jacarés ou são alligators ou são caimanines”, descreve Ana Laura Paiva, doutoranda em Biologia Comparada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. O artigo surgiu de sua atual pesquisa de doutorado, que busca investigar proporções corpóreas mais abrangentes em diferentes crocodilomorfos. Esse grupo engloba os répteis das três famílias de (jacarés, crocodilos e gaviais) atuais e seus parentes extintos.
Ana Paiva já havia trabalhado com espécies gigantes de jacarés em seu mestrado, estimando o tamanho desses animais com base em estudos de fósseis cranianos. A partir disso, veio a ideia de entender como os répteis atingiram tamanhos tão imensos e se fatores ambientais tinham alguma influência no processo evolutivo. A escolha dos caimanines como foco de estudo se deu por fatores como a presença desses animais na fauna brasileira e a diversidade morfológica entre as espécies.

Ana Laura Paiva - Foto: Arquivo pessoal
“Tem uma variação de tamanho muito grande em caimanines extintos. Possivelmente, as maiores espécies crocodilomorfas estão no grupo, assim como espécies menores. Há espécies bem pequenas, [medindo] alguns centímetros os animais adultos”, explica Pedro Godoy, professor no Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP e coorientador no doutorado de Ana Paiva. Ele dá o exemplo do Purussaurus brasiliensis, que chegava a medir mais de 10 metros de comprimento e foi um dos maiores crocodilianos que já existiram.
O jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris) é uma espécie de caimanine muito comum no sudeste da América do Sul. Recebe esse nome por ter a região abaixo da mandíbula amarelada - Foto: Adriana Araujo Costa/Wikimedia Commons/CC BY-SA 3.0

O Purussaurus brasiliensis viveu no norte do Brasil por volta de 5 a 7 milhões de anos atrás. Seu nome científico significa “réptil brasileiro do Rio Purus” por seu primeiro fóssil ter sido encontrado neste rio da Amazônia e em território brasileiro - Imagem: Megaraptor-The-Allo/Wikimedia Commons/CC0 1.0
Condições ambientais dos enormes répteis
Algumas pesquisas já relacionavam o tamanho de jacarés gigantes com fatores ambientais do Mioceno amazônico, mas foi pela análise evolutiva específica de caimanines e a utilização de modelos climáticos concedidos por pesquisadores da Universidade de Bristol que se obteve um maior nível de precisão em comparação a estudos anteriores. “Conseguimos ter uma estimativa de como era o clima do passado naquele tempo, naquela localidade e naquelas coordenadas geográficas”, descreve Pedro Godoy. Além disso, o trabalho também investigou a árvore filogenética Caimaninae, de modo a visualizar a evolução de tamanho no grupo como um todo.
Estimativas de tamanho de caimanines extintos e modelagens de variáveis climáticas do passado indicaram que, enquanto jacarés pequenos eram encontrados em diferentes ambientes, animais gigantes ficavam restritos a regiões quentes e de pouca variação sazonal de temperatura. “Se você considerar a distribuição geográfica, o Mioceno tem uma restrição de temperatura vinculada aos animais grandes, que estão em uma porção da região amazônica ocidental bem próxima ao Equador”, afirma Ana Paiva ao destacar que o surgimento desses répteis coincide com um período de pico de altas temperaturas.

Pedro Godoy - Foto: Arquivo pessoal

Distribuição do tamanho corporal (valores transformados em cm) e da temperatura (em °C) de caimanines no Cretáceo Superior ao Eoceno (A e C) e durante o Mioceno (C e D) - Foto: retirada do artigo
Entre alguns fatores que os pesquisadores apontam sobre a influência da temperatura no gigantismo de jacarés do Mioceno está a ectotermia desses seres vivos: a dependência do ambiente externo para a regulação da temperatura corpórea, fazendo com que os jacarés estejam sujeitos, em grande parte, a uma baixa variação sazonal de temperatura para se desenvolverem.
Porém, Ana Paula Paiva e Pedro Godoy ressaltam as condições ambientais como uma das principais responsáveis pela evolução e manutenção das espécies gigantes. O clima amazônico formado por altas temperaturas permitia “um ambiente rico, com muitos nutrientes e alimento disponível em abundância para esses animais gigantescos viverem”. Essas condições favoráveis contribuíram não apenas para a evolução dos tamanhos corpóreos, mas também para a diversidade de espécies crocodilianas.
Impactos climáticos
De acordo com Ana Paiva, estudar esses seres do passado pode ajudar a conhecer melhor os jacarés atuais. Godoy complementa a ideia e diz ser importante entender como esse grupo respondeu às mudanças climáticas do Mioceno para compreender as possíveis ameaças atuais ao ambiente em que esses seres vivem. Ambos os pesquisadores comentam que a ação do ser humano é um difícil fator que deve ser colocado em consideração a partir de agora.
O artigo The role of climate on the emergence of giant caimanines (Crocodylia, Alligatoroidea) from the Miocene western Amazonian region pode ser lido aqui.
Mais informações: ana.paivaprm55@gmail.com, com Ana Laura Paiva, e pedro-godoy@usp.br, com Pedro Godoy.
*Estagiária sob orientação de Luiza Caires
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

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