Capela do Museu Casa de Portinari é avaliada por pesquisadores da USP

Os métodos utilizados contam com técnicas físicas que não danificam a pintura e permitem identificar o processo criativo da obra

 25/10/2016 - Publicado há 8 anos
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Fachada do Museu Casa de Portinari - Foto: Divulgação
Fachada do Museu Casa de Portinari, em Brodowski, interior de São Paulo  – Foto: Divulgação

Os murais pintados na Capela da Nonna, um dos principais espaços do Museu Casa de Portinari, em Brodowski, no interior de São Paulo, passaram por avaliação dos pesquisadores do Núcleo de Apoio a Pesquisa (NAP) de Física Aplicada ao Patrimônio Histórico e Artístico (FAEPAH) da USP. Eles utilizaram técnicas de física capazes de examinar o estado de conservação das obras sem danificá-las, permitindo a identificação de rachaduras, restaurações anteriores e elementos do processo de criação das pinturas.

20161025_01_Angelica FabbriO grupo da USP foi convidado pelo Museu Casa de Portinari, onde está localizada a capela, ainda em 2015. Agora, o estudo está em sua etapa final, concluindo os relatórios da avaliação. De acordo com Márcia Rizzutto, professora do Instituto de Física (IF) e coordenadora do projeto, ela já havia realizado trabalhos semelhantes com obras de Portinari que compõem o acervo interno do museu; porém, diferentemente dos anteriores, o desafio do novo estudo foi avaliar pinturas que foram feitas diretamente nas paredes da capela.

A diretora do museu, Angélica Fabbri, afirma que tem acompanhado com muito interesse as atividades do NAP-FAEPAH. “Mantemos um Programa de Acervo, que contempla três frentes: documentação, conservação e pesquisa de suas coleções; nessa perspectiva, a instituição necessita efetuar muitas ações específicas e, para tanto, precisa contar com profissionais especializados para complementar e assessorar o trabalho desenvolvido pela própria equipe do museu. A professora Márcia Rizzutto realiza um trabalho que a maioria dos museus não teria condições de realizar interna e institucionalmente, além da questão fundamental da soma ao trabalho dos conservadores-restauradores, que estarão amparados nos resultados das investigações.”

Angélica lembra que “no caso específico do Museu Casa de Portinari, pela natureza das obras, a impossibilidade de se levar os murais pintados por Portinari para análises no laboratório inviabilizaria as investigações científicas. Nesse sentido, a portabilidade dos equipamentos e a disponibilidade da professora Márcia em ir até a coleção abriram uma nova e enriquecedora perspectiva para a pesquisa dos murais”.

O uso da fluorescência de ultravioleta permite olhar o estado de conservação da obra de arte e os pontos de intervenção - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O uso da fluorescência de ultravioleta permite olhar o estado de conservação da obra de arte e os pontos de intervenção em detalhe do mural da capela – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Técnicas

Antes de examinar os murais da capela, a equipe da professora Márcia Rizzuto se reuniu com restauradores do museu para definir as informações que eles buscavam extrair das obras, como observar o processo criativo de Portinari, o estado de conservação e as intervenções anteriores. A partir daí, os pesquisadores empregaram técnicas físicas baseadas em imagens, ou seja, fotografias tiradas com diferentes luzes, como a visível, a ultravioleta e a rasante, além do infravermelho. Para identificar os elementos químicos presentes nos pigmentos usados pelo artista, foram usadas análises de fluorescência de raios X, na qual a excitação dos elétrons das diferentes substâncias promove emissão de radiação específica de cada elemento na medida em que eles se movimentam, e Raman.

O benefício dessas metodologias físicas é que não é necessário extrair amostras para fazer a verificação, sendo considerados procedimentos não destrutivos.

20161025_01_Marcia AlmeidaSegundo a professora Márcia, com a luz ultravioleta é possível observar detalhes sobre as intervenções que não podem ser vistos a olho nu. “É uma técnica muito importante, por exemplo, para identificar os pontos de restauro e diferenciá-los daquele pigmento utilizado pelo artista.”

A técnica de infravermelho, por sua vez, mostra como o artista desenvolve o processo de produção da obra. A imagem é obtida por meio de uma câmera digital com filtro IR acoplado à lente. As imagens observadas resultam da conjunção dos fenômenos de reflexão, absorção e transmissão da camada superficial.

“Ela é específica para análise de desenhos subadjacentes”, conta a pesquisadora. “Em algumas situações, o artista faz o desenho por baixo e muda na hora de pintar. Esse registro fica na obra e, com essas câmeras especiais, é possível ‘tirar’ a imagem visível da frente e olhar o que está desenhado a carvão ou a lápis por baixo.” Para ela, a fotografia do esboço serve como uma “impressão digital” da obra. “Alguém que vá falsificar nunca vai conseguir reproduzir aquele desenho feito inicialmente pelo artista”, acrescenta.

 

Através da imagem em infravermelho podemos ver alguns detalhes de manufatura do artista - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Através da imagem em infravermelho podemos ver alguns detalhes de manufatura do artista na obra da Capela da Nonna – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Já a luz rasante traz informações que evidenciam os tipos de traços e pinceladas. Isso, segundo Márcia, também ajuda a identificar o estilo próprio do artista e a reconhecer obras originais. “Se um artista usava no processo de pintura uma pincelada bem fina, um traço aguado na tinta, ou dá volume e movimento, isso fica registrado e pode auxiliar no processo de semelhanças no modo de fazer a obra”, diz.

O Raman serve para análise de compostos presentes nos materiais - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O Raman serve para análise de compostos presentes nos materiais – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

As análises de fluorescência de raios X e Raman permitem descobrir os pigmentos, isto é, a paleta de cores utilizadas pelo artista, afirma. Além disso, a pesquisadora conta que com esse método é possível saber quais os elementos químicos e compostos presentes nos materiais usados na obra.

De acordo com o restaurador da capela, Julio Moraes, o ambiente no qual as obras se encontram sempre apresentou problemas que dificultam a preservação das pinturas. “Havia um de natureza arquitetônica, de instabilidade da edificação, e isso recentemente foi corrigido”, conta.

“Mas também havia problemas que nós acreditamos que sejam inerentes à própria técnica original, além de algumas tentativas de restauro antigas das quais não há registro escrito.” Ele acredita que as análises do grupo de cientistas podem trazer as informações necessárias para tornar o processo de restauração mais próximo do original.

Em relação a isso, Márcia concorda. Para ela, a importância da avaliação que sua equipe está realizando é poder identificar o estado de conservação da obra e agir o mais rápido possível para fazer a manutenção. “Essa é proposta: criar um dossiê da capela para que ela possa ganhar recursos e necessidade de intervenções”, conclui.

A capela

Capela da Nona - Foto: Divulgação
Capela da Nonna – Foto: Divulgação/Museu Casa de Portinari

Em 1941, Portinari pintou especialmente para sua avó Pellegrina a Capela da Nonna para que ela pudesse rezar, já que problemas de saúde não permitiam que se deslocasse até a igreja. Segundo o restaurador Julio Moraes, a edificação foi feita em um vão entre a casa da avó e a residência do tio, que ficavam lado a lado. “Ele mandou fechar aquele vão, colocar um telhado e pintou os murais ali.”

Para as imagens que decoram as paredes da capela, feitas em tamanho natural, o artista usou amigos e familiares como modelos para representar os santos prediletos e de maior devoção de dona Pellegrina. No espaço, estão São Francisco de Assis, Santa Luzia, São Pedro, São João Batista, a Sagrada Família, entre outras figuras sacras. As pinturas foram executadas em têmpera, técnica que utiliza como tinta a mistura de água, substâncias oleosas, ovo e pigmento em pó.

Para o restaurador, o improviso da construção são problemas que os especialistas enfrentam para fazer a manutenção das pinturas. “É uma parede mal feita, uma construção um pouco precária, instável. Não tem problemas de umidade, felizmente, mas há rachaduras que apareceram na parede”, explica. “É uma capela muito pequenina e isso nos obriga a limitar o número de visitantes que entram de cada vez. A própria respiração do visitante pode começar a mudar a temperatura e a umidade relativa daquele espaço.”

Ele também conta que foi necessário obstruir uma janela, pois a luz incidia diretamente nas pinturas. No lugar, foi construído um pequeno óculo circular, que limita a entrada da luminosidade e não prejudica as pinturas.

Com informações de Hérika Dias e Museu Casa de Portinari


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