“A história não nos dá evidências de disposição de enfrentar os custos políticos do controle dos gastos”

A frase é do ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore, falecido neste último 21 de fevereiro

 21/02/2024 - Publicado há 2 meses
Affonso Celso Pastore faleceu, aos 84 anos, nesta quarta-feira, 21 de fevereiro – Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

 

Ex-diretor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, ex-secretário da Fazenda do Estado São Paulo, ex-presidente do Banco Central, ex-presidente do Centro Acadêmico Visconde Cairu, dos alunos da FEA, Affonso Celso Pastore faleceu, aos 84 anos, nesta quarta-feira, 21 de fevereiro. “Pastore foi o cidadão mais ético desta profissão, correto com os fatos, com os dados, de uma integridade intelectual inacreditável”, comentou, na Folha de S. Paulo, o economista Marcos Lisboa que, entre diversas funções, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do governo Lula e ex-diretor do Insper.

Em 1966, Pastore tornou-se assessor do então secretário da Fazenda de São Paulo, Antonio Delfim Netto, seu professor na FEA. Acompanhou-o, como parte da equipe, quando Delfim assumiu o Ministério da Fazenda. Nos últimos anos do regime militar, entre 1983 e 1985, foi presidente do Banco Central. Fundou, em 1993, a consultoria A.C. Pastore & Associados, especializada em economia brasileira e internacional. Foi professor da FEA, articulista de O Estado de S. Paulo e deixa uma extensíssima contribuição para o estudo da economia brasileira em livros, entre outros, A economia com rigor, Conversa com economistas, no qual é entrevistado por profissionais renomados, e Inflação e crises – O papel da moeda.

Uma ampla participação nos debates sobre a economia brasileira

O site do economista José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas e federalismo, publica um resumo do livro Inflação e crises: O papel da moeda, de Affonso Celso Pastore, publicado pela Editora Campus – Grupo Elsevier em 2014.

Este livro analisa os principais episódios desafiadores vividos pela economia brasileira, ligados à inflação e enfrentamento de crises, desde a reforma do PAEG – Plano de Ação do Governo, da gestão do marechal Castelo Branco – até a reação à crise de 2008. Antes da reforma monetária de 1994 a inflação no Brasil era uma história sobre a inércia; o descontrole monetário; e a dominância fiscal. As reformas do PAEG pareciam ter rompido com o descontrole inflacionário, mas foi cometido o erro de buscar a convivência com a inflação, usando a indexação para neutralizar seus custos. O governo sucumbiu à crença de que o combate à inflação se fazia com políticas de rendas – os controles de preços – e não com o controle monetário. Naqueles anos a dívida pública não crescia aceleradamente, dando a ilusão de que a inflação não tinha causas fiscais, mas ela somente não crescia porque a expansão monetária financiava automaticamente os déficits públicos. Tivemos que passar por vários experimentos heterodoxos, até que a reforma monetária de 1994 levasse ao controle da inflação. O Brasil enfrentou várias crises. A reação à crise de balanço de pagamentos dos anos oitenta acentuou a indexação cambial e a inércia. Depois da reforma monetária de 1994 o Brasil superou o contágio das crises do México e do Sudeste Asiático, mas a âncora cambial não resistiu ao contágio da crise russa, sendo abandonada em 1999. Em seu lugar surgiu o regime caracterizado pelo “tripé”: com as metas de inflação; metas de superávits primários; e câmbio flutuante. Foi neste regime que o Brasil superou a maior de todas as crises do pós-guerra, a de 2008. Mas a partir desse ponto voltou a acumular erros. Ocorreu o afrouxamento do compromisso com a meta de inflação; piorou a qualidade da política fiscal; e o governo foi contaminado pelo vírus do “medo da flutuação”. Com isso reapareceram desequilíbrios importantes que levaram ao baixo crescimento, com forte penalização da indústria; a inflações elevadas mesmo com preços reprimidos; e a um déficit em contas correntes a espera de redução.

O pensamento de Pastore também é explicitado no texto A crise fiscal e monetária brasileira: três episódios”. No final do texto, apresentado em seminário organizado pelo economista Edmar Bacha, na década passada, Pastore observa:

Se caminharmos na direção de executar o ciclo de reformas que dimensionem os gastos de acordo com os recursos, o Banco Central estará livre das pressões vindas da política fiscal e poderá executar com eficiência a sua tarefa de manter a inflação em torno da meta, criando as condições para que a economia brasileira retome o crescimento. Infelizmente, contudo, a nossa história não nos dá evidências de disposição de enfrentar os custos políticos acarretados pelo controle crescimento dos gastos. Oxalá neste campo o país tenha rompido com a sua própria.

A amplitude de seu pensamento pode ser acompanhada, no YouTube, no programa comandado por Fernando Dantas, sobre o lançamento do livro Erros do passado, soluções para o futuro: a herança das políticas econômicas do século XX, entrevistado pelos economistas Marcos Lisboa, então presidente do Insper, e José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. Confira abaixo:


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.