A Faculdade de Arquitetura da USP (FAUSP) promoveu, na semana passada, uma palestra sobre a curadoria do pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza. Os convidados foram os curadores do pavilhão, Gabriela de Matos e Paulo Tavares, que conceberam essa exposição chamada Terra. Pela primeira vez na história das bienais de arquitetura de Veneza, a representação brasileira, com seu pavilhão, ganhou o Leão de Ouro, que é o prêmio máximo daquele evento. E foi muito interessante receber a dupla de curadores que puderam ali explicar melhor o que eles expuseram e com que razões.
A curadora geral do evento é a africana Lesley Lokko, de Gana, e pautou para essa Bienal de Veneza uma questão que procurava reverter os paradigmas eurocêntricos ocidentais. Nesse sentido, a curadoria brasileira foi muito inteligente em elaborar um meio crítico de rever os paradigmas históricos da nossa arquitetura, trazendo à tona as matrizes ameríndias e afro-brasileiras, que são uma espécie de não-questão, um tema apagado da história da nossa arquitetura.
Nos livros de história da arquitetura brasileira, nos textos sobre o assunto, quase nunca se encontra referências a essas matrizes. Quando se fala em identidade da arquitetura brasileira, sempre se volta para os portugueses, para nossa herança portuguesa, para se contrapor à invasão estrangeira do século 19 com os ecletismos, etc. Depois, uma invenção moderna, Niemeyer ,a partir de Le Corbusier; Lina Bo Bardi fez referências importantes à questão indígena, mas quase nunca aparece.
Gabriela de Matos é fundadora do Movimento Arquitetas Negras; Paulo Tavares, que pertence ao grupo Forensic Architecture, sediado em Londres, tem uma pesquisa toda muito voltada às culturas dos povos originários brasileiros e usa os seus instrumentos do Forensic nessas causas políticas. Então, os dois juntos conseguiram pautar essas questões e inverter um pouco a lógica do que é uma exposição mais tradicional de arquitetura, que mostra edifícios e desenhos. Eles foram muito guiados pela noção de patrimônio, buscando nesse elemento da terra – a terra tanto como planeta, que generosamente nos recebe, quanto a terra como o chão sobre o qual nós pisamos, material que também usam na construção. E partindo, portanto, desse elemento poético, resgatando certas situações como a arquitetura dos terreiros de Candomblé, ou a presença de petrogrifos, marcações indígenas em caminhos, em pedras na Amazônia, criando possibilidades de se olhar para a história da nossa construção com um pé no passado, mas apontando sempre para novos futuros, futuro ancestral, como diz Ailton Krenak, e essa perspectiva marca muito fortemente essa curadoria que, ao repensar os nossos paradigmas e o nosso passado, lança luz sobre possíveis novos futuros que a partir daí se engendram.
Tomando um pensamento europeu, mas que serve muito bem nesse caso, como sempre disse muito fortemente Walter Benjamin, a disputa pelo passado é a construção de novos futuros. Então, é muito eloquente e animadora essas perspectivas que se colocam a partir daqui, e para nós na USP, na universidade pública, num momento em que se começa a ter uma política mais efetiva de contratação de professores indígenas, pardos e negros, como a revisão dos currículos disciplinares também nos nossos cursos.
Espaço em Obra
A coluna Espaço em Obra, com o professor Guilherme Wisnik, vai ao ar quinzenalmente quinta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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