Nova lei visa incentivar a produção de medicamentos para doenças consideradas negligenciadas

Fernando Aith explica que o projeto de lei inclui vários fármacos que já existem e tecnologias que já foram inventadas, mas que a grande indústria farmacêutica global não tem interesse na produção e distribuição em larga escala

 07/10/2024 - Publicado há 2 meses
Desenho de pulmões, sendo que o lado direito de um deles apresenta contaminação por bacterias causadoras da tuberculose
A tuberculose está no rol das doenças tidas como socialmente determinadas – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de brgfx/Freepik
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que obriga os laboratórios públicos a investirem na produção de princípios ativos de medicamentos voltados para o combate de doenças socialmente determinadas, como dengue, malária, tuberculose, hepatites virais, hanseníase, leishmaniose, esquistossomose e doença de Chagas. Essas doenças, embora passíveis de prevenção e controle e que já deveriam ter sido contidas, continuam a afetar grande parcela da população, principalmente em regiões mais vulneráveis, devido à insuficiência de ações públicas de prevenção e tratamento eficazes.

A medida busca corrigir uma lacuna histórica, em que a falta de investimentos adequados na produção local de medicamentos deixou o Brasil dependente de importações e reduziu a capacidade de resposta a surtos e epidemias. A nova lei visa a fortalecer a autonomia do País na produção de fármacos essenciais, diminuindo a vulnerabilidade da população frente a essas doenças, que têm impactos severos na saúde pública e estão frequentemente associadas a condições precárias de saneamento, habitação e acesso a serviços de saúde.

Doenças negligenciadas

Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, destacou que a nova lei visa a combater doenças negligenciadas, que são endêmicas em países de baixa e média renda, como o Brasil. “Às vezes, são conhecidas como as chamadas doenças tropicais. São enfermidades que apresentam indicadores inaceitáveis no nosso país, um país de renda média alta, que já poderia ter praticamente eliminado muitas delas, e investimentos reduzidos em pesquisa, produção de medicamentos e no controle dessas doenças”, afirma.

Fernando Aith – Foto: ResearchGate

O especialista explica que o projeto de lei inclui vários fármacos que já existem e tecnologias que já foram inventadas, mas que a grande indústria farmacêutica global não tem interesse na sua produção e distribuição em larga escala, já que quem precisa são pessoas de países pobres. Dessa forma, isso coloca a responsabilidade nos ombros dos laboratórios públicos.

Ele complementa: “Os nossos laboratórios, públicos ou privados, ou não têm a capacidade de produzir ou não têm interesse econômico em produzir também. Então, essa lei vem apontando na direção certa, que é fazer com que os nossos laboratórios públicos nacionais invistam na produção dos princípios ativos e dos fármacos para dar conta dessas doenças que atingem principalmente a nossa população e a população dos nossos países vizinhos”.

Novo Marco Legal

Com a nova legislação, os laboratórios brasileiros que já possuem a capacidade necessária serão obrigados a investir no desenvolvimento e produção dos princípios ativos e fármacos utilizados para tratar essas doenças. No entanto, nem todos estão prontos para atender à demanda: “Temos alguns laboratórios de ponta, como o da Fiocruz e o Instituto Butantan, mas muitos outros não são tão desenvolvidos e com tanta tecnologia já empregada e investida. A lei determina que sejam feitos convênios, seja com os laboratórios públicos, que estão na frente, seja com laboratórios privados nacionais ou internacionais que possam fazer uma transferência de tecnologia a curto ou a médio prazo, para que, no final, esses laboratórios já estejam preparados”.

Conforme Aith, o Brasil tem uma capacidade científica muito grande, formando profissionais que estarão aptos, seja a desenvolver novos fármacos para o atendimento dessas doenças, seja a desenvolver as tecnologias que já estão inventadas, e muitas delas já perderam as patentes. “Nós temos esses recursos humanos e muitos deles acabam saindo do País e indo trabalhar em laboratórios públicos e privados dos países desenvolvidos, nos grandes centros econômicos, como Estados Unidos e Europa, que acabam levando os nossos técnicos, os nossos cérebros nessa área de farmacoquímica biológica para fora do País. Se a gente tem um investimento dentro do País para a produção desses produtos em laboratórios bem estruturados, tenho certeza que a gente vai conseguir desenvolver plenamente essa política pensada na lei recentemente aprovada.”

O professor ainda lembrou que a pandemia de covid-19 expôs a vulnerabilidade do Brasil em relação à produção de insumos e medicamentos. “A gente tem que aprender com isso e tomar as providências necessárias para que isso não ocorra mais, seja em uma epidemia, pandemia ou para doenças endêmicas, que são o objetivo dessa lei. A gente não está dando conta não por insuficiência técnica e científica, mas por insuficiência de financiamento, recursos e uma política industrial nacional. A gente precisa continuar acompanhando o tema para ver se essas boas intenções serão objeto de um financiamento adequado para que isso ocorra efetivamente”, conclui.


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