
Atualmente, o Brasil é referência mundial no transplante de órgãos. Entretanto, mesmo em destaque, enfrenta grandes desafios de logística e transporte. Cerca de 18% dos corações, por exemplo, são descartados por extrapolarem o prazo de validade. Daniel Mota, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica (Poli) da USP, explica que os desafios relacionados ao transporte desses recursos são inusitados e novos.

“Quando você fala de logística, imaginam-se cargas e pessoas […]. Já o transporte dos órgãos tem um desafio que a logística está acostumada a lidar, que é a questão dos prazos. Então, você precisa entregar uma compra, uma carga, transportar pessoas. Você tem os prazos previamente definidos, só que, para o transporte dos órgãos, isso é extremamente crítico”, discorre o professor.
A fim de encontrar soluções para essas questões, a Escola Politécnica e o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas FMUSP (InCor) criaram algoritmos matemáticos para inseri-los em um aplicativo para que médicos possam utilizar as técnicas da engenharia aplicadas na medicina. O prazo de captação e entrega de órgãos é curto e, se não for feito com agilidade, o transplante pode não ser realizado.
Corrida contra o tempo
Ronaldo Honorato, cirurgião cardiovascular do Núcleo de Transplantes do InCor, responsável pelas captações de coração do instituto, explica que, no caso desses órgãos, o tempo é fundamental, já que ele só tem quatro horas para ser transportado e implantado.
Nesse tipo de procedimento, não é só o tempo de movimentação do órgão que conta. “Existe o deslocamento da equipe na estrada – caso o transporte seja realizado por essa modalidade –, na chegada ao hospital e o próprio procedimento de transplante do coração. Todo esse conjunto de etapas chega perto do prazo limite”, aponta o cirurgião.
Honorato explica, ainda, que o órgão pode sofrer uma disfunção caso exceda o tempo que tolera sem oxigênio e sangue, o que pode comprometer sua funcionalidade depois da cirurgia. Portanto, é importante conhecer as rotas entre os doadores e receptores e calcular o tempo entre aeroportos e hospitais para que os órgãos não excedam seu tempo máximo fora do corpo.
Projeto e soluções
O algoritmo idealizado pela Escola Politécnica e o Instituto do Coração busca prever as possíveis adversidades do transporte de órgãos. “Por exemplo, não adianta um coração ser ofertado na madrugada em uma cidade em que o aeroporto só funciona de manhã. Nesse caso, o órgão não conseguirá ser captado por falta de transportes disponíveis. O algoritmo, então, já prevê essas questões e direciona outras possibilidades de rota”, analisa Honorato.

A logística não abarca somente as questões de transporte, mas também todas as etapas do processo de um transplante de coração. De acordo com o professor, a logística abarca a disponibilidade dos instrumentos para fazer a cirurgia, os profissionais alocados nos horários certos, a sala de cirurgia reservada e a disponibilidade dos modais.
A ideia do algoritmo, então, é colocar todas as etapas do transplante dentro da mesma plataforma de tomada de decisão. “Quais são as alternativas de transporte, por exemplo, entre o ponto A e o ponto B? Você pode avaliar desde um ônibus de carreira, que pode ser a alternativa mais rápida em alguns casos, até um helicóptero, que pode ser acionado por alguma agência, ou algum avião da Força Aérea”, pontua Mota.
O projeto desenvolvido pela parceria está produzindo um roteirizador multimodal. O transporte de órgãos, por ser um processo delicado e que precisa de agilidade, não pode depender apenas de um modelo de deslocamento. Como explica o professor, às vezes o transporte não é feito por estrada, e sim por vias aéreas, e o algoritmo auxilia nessa busca por diferentes modais.
Por fim, Honorato lembra da importância de comunicar a família caso um indivíduo queira ser doador de órgão, uma vez que essa decisão ajuda a salvar vidas e beneficia toda a sociedade.
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