Sociedade em Foco #149: Carros “populares” não são tão acessíveis

Para José Luiz Portella, a política que tenta barateá-los está cheia de equívocos

 30/05/2023 - Publicado há 11 meses
Momento Sociedade - USP
Momento Sociedade - USP
Sociedade em Foco #149: Carros “populares” não são tão acessíveis
/

A política de redução do valor dos carros considerados “populares”, ou seja, mais baratos, foi anunciada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, já pontuou que as medidas para diminuir o preço devem ter uma pequena duração.

“O impacto é muito ruim. É uma medida com muitos equívocos. Socialmente, tem um foco na classe média, enquanto nós temos 18 milhões de pessoas na extrema pobreza, e isso foi bastante ressaltado durante a campanha como uma demonstração da pobreza do Brasil, do Estado do Brasil. O fato é que você faz uma política por três, quatro meses, segundo o próprio ministro, que não vai resolver o problema da indústria e retira dinheiro, quase R$ 1 bilhão, daquilo que poderiam ser políticas públicas para a extrema pobreza e para a pobreza”, coloca José Luiz Portella, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Portella acrescenta que essa política não só erra quanto ao público, mas também quanto à matriz energética: “Na questão do transporte, toda a matriz está errada. O foco deveria estar no ônibus a hidrogênio, por exemplo, que é um transporte público limpo e jamais no carro. A ideia de que ter um carro é um status é totalmente errada”.

É muito comum relacionar qualquer política que valorize a indústria automotiva com o período de Juscelino Kubitschek, mas, naquele período, a geração de empregos ainda era um ganho, diferentemente de agora: “O setor automotivo, que foi agraciado mais uma vez, é o mais evidenciado da história do Brasil, desde Juscelino Kubitschek. Em contrapartida, no começo, gerou muito emprego. Agora, não. Você tem a tecnologia e, mesmo com o aumento da venda de carros, não aumentam os empregos. É um equívoco total e mais um erro de política pública que nós cometemos. Qual é a questão de não ter contrapartida? Nós daremos R$ 1 bilhão sem ter contrapartida, quer dizer, a indústria automotiva não tem que gerar emprego, ela não está com compromisso nenhum de gerar emprego”, ressalta o especialista.

“É um erro, parece-me mais uma busca para acelerar o crescimento, que será sem distribuição de renda”, diz Portella. “Estamos deixando de fazer políticas públicas que diminuiriam a desigualdade para reforçar a fábrica de desigualdade no País”, acrescenta. Como dito, a política não deve durar mais que alguns meses, já que isso causaria um déficit orçamentário: “É temporário, o que mostra a insubsistência da política: se fosse uma política boa, teria que demorar mais tempo”, pontua o pesquisador. E, por mais que o intuito seja alavancar essa indústria por meio da redução de preço e, assim, maior possibilidade de compra, os valores ainda são muito altos: “Em primeiro lugar, não tem nada de popular, porque você gastar R$ 60 mil num carro não é nada popular. Além disso, o próprio governo falou que nós estávamos com uma crise de crédito e nós temos 75% das famílias endividadas, então, isso vai totalmente contra o bom senso”, coloca Portella.


Momento Sociedade
O Momento Sociedade vai ao ar na Rádio USP todas as segundas-feiras, às 8h30 – São Paulo 93,7 MHz e Ribeirão Preto 107,9 MHz e também nos principais agregadores de podcast

.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.