Professores revivem legado da Maria Antonia

Debates marcaram relançamento de dois livros sobre a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP

 04/10/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 16/10/2018 as 14:53
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Livros reconstituem a história da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens.

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A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas tem que relembrar sua história e reafirmar seu lugar no âmbito da Universidade de São Paulo que, por vezes, parece questionado.”

A declaração da diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, carrega 50 anos de memória e revolta. Lembranças e sentimentos que dizem respeito aos acontecimentos dos dias 2 e 3 de outubro de 1968, a famigerada Batalha da Maria Antonia.

A fala da diretora abriu a segunda noite do evento Ecos de 1968: 50 Anos Depois, no dia 3 de outubro. Na ocasião, ocorreu o relançamento de dois livros que resgatam a história da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP: O Livro Branco sobre os Acontecimentos da Rua Maria Antonia – 2 e 3 de Outubro de 1968, organizado por Irene Cardoso e Abílio Tavares, e Maria Antonia: Uma Rua na Contramão, organizado por Maria Cecília Loschiavo dos Santos.

O lançamento de livros sobre a Maria Antonia teve a participação da diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Primeira encarnação da FFLCH, a FFCL ocupou o número 294 da Rua Maria Antonia até ser desmembrada e transferida para a Cidade Universitária, após a invasão e depredação do prédio durante o conflito dos dias 2 e 3.

Para o relançamento das obras, ambas publicadas pela primeira vez em 1988, professores se reuniram no histórico prédio para contar suas memórias sobre a instituição e destacar a importância das novas edições.

“Esses dois livros falam de uma parte da Universidade de São Paulo”, declarou Maria Arminda. “Não estamos falando de toda a USP, é preciso que isso fique claro, porque parte da Universidade não se indignou com os acontecimentos. Quando a gente lê o material, isso fica claro. Nós, entretanto, estamos indignados. E indignados porque a identidade da Universidade também se perdeu naquele momento. A USP virou outra instituição.”

O Livro Branco reúne o relatório elaborado por uma comissão de professores detalhando os fatos dos dias 2 e 3 de outubro de 1968 e documentos afins, como depoimentos, fotos e recortes da imprensa. O relatório foi entregue para a congregação da FFCL em novembro de 1968 e desapareceu das vistas, tornando-se uma espécie de lenda na USP. Por 20 anos, o professor Antonio Candido manteve os documentos e uma cópia do relatório, até entregá-los para a professora da FFLCH Irene Cardoso, que os levou a público pela primeira vez em 1988. Veja aqui um depoimento de Candido sobre a Maria Antonia, dado ao IEA.

Debate sobre o Livro Branco – Os Acontecimentos da Rua Maria Antonia, com Carlos Alberto Barbosa Dantas (ao microfone), Irene de Arruda Cardoso e André Singer (o segundo, da esquerda para a direita) – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“O trabalho com o Livro Branco, com esses documentos todos, é impressionante”, comentou Irene. “Se você pensar o número de recortes de jornal, o número de depoimentos, o número de fotos, tudo isso foi organizado em um mês e foi entregue em 6 de novembro de 1968 à Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.”

“Há um rigor muito grande na elaboração do livro”, destacou o assessor para projetos especiais da FFLCH e coorganizador da obra Abílio Tavares. “Há um procedimento que é praticamente científico na abordagem de todos os temas.”

Um dos integrantes da comissão responsável pelo relatório original, o professor Carlos Alberto Barbosa Dantas, relembrou como tomou conhecimento dos conflitos. “Naquele dia, nós estávamos numa reunião da Congregação da Filosofia. O professor Eurípedes (Simões de Paula, então diretor da FFCL) recebeu um chamado dizendo que a faculdade estava sendo atacada e a Congregação resolveu vir para a Maria Antonia inspecionar e procurar defender nossos alunos, porque se sabia que do lado do Mackenzie existiam forças policiais e elementos do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas.”

Debate sobre o livro Maria Antonia: Uma Rua na Contramão, com Franklin Leopoldo e Siva, Marilena Chaui, Maria Cecília Loschiavo dos Santos e Adélia Bezerra de Menezes – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Esse registro fazia sentido para alguns, mas não fazia sentido para outros”, explicou Irene sobre o apagamento da memória sobre o relatório durante a década de 1970. “Exatamente por isso a Universidade, setores da própria Faculdade de Filosofia e o governo do Estado silenciaram sobre tudo isso.”

O professor da FFLCH Franklin Leopoldo e Silva também destacou esse processo durante o evento. “Não estamos diante de uma dificuldade que diga respeito ao caráter devorador do tempo, mas sim de deliberações e decisões que ocorrem no âmbito de um projeto político de despolitização muito bem implementado.”

Para Leopoldo e Silva, o conflito foi deliberadamente reconhecido e divulgado como uma briga de estudantes para ocultar os sentidos mais profundos dos acontecimentos. “Não foi uma briga de estudantes, foi uma ocasião para que se colocasse a inviabilidade da Universidade.” É pelo resgate dos fatos e da trajetória da FFCL, destacou o professor, que a reedição das obras se torna importante.

Lançamento de reedições de obras no evento Ecos de 1968, 50 Anos Depois – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Resgate também foi a palavra que motivou a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Maria Cecília Loschiavo dos Santos, a publicar Maria Antonia: Uma Rua na Contramão em 1988, reunindo 31 depoimentos sobre 20 anos da FFCL, de 1948 até 1968.

“Eu não estudei na Maria Antonia, meu curso de graduação foi nos barracões, onde a faculdade passou a funcionar logo após a transferência para a Cidade Universitária”, contou Maria Cecília. “Esse foi um dos motivos que me instigaram a conhecer o que foi a vida na faculdade nos tempos maria-antonianos. Afinal, quando ingressei na FFLCH, no Departamento de Filosofia, em 1972, muito se falava sobre a Maria Antonia.”

A professora da FFLCH Adélia Bezerra de Meneses citou Antonio Candido para destacar o diferencial que a FFCL possuía. Ela lembrou que a faculdade representa o que Candido chamava de “pensamento radical de classe média”.

“Eu acredito que vivíamos aqui realmente uma situação-limite do pensamento radical, que acabou conduzindo a um sopro revolucionário abortado pelo golpe de 1964. E penso que o fato de a Maria Antonia ter sido alvo de destruição pelos estudantes da direita do Mackenzie, mancomunados com as autoridades, se deveu ao pensamento radical que era o espírito da Maria Antonia.”

O lançamento dos livros se deu no mesmo histórico prédio da rua onde ocorreu a Batalha da Maria Antonia, há exatos 50 anos – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Pela memória dos acontecimentos trágicos da batalha e pelo legado da FFCL, a professora da FFLCH Marilena Chauí frisou a importância da divulgação das novas edições dos livros, principalmente para quem não viveu o período.

“Esses livros precisam ir para as mãos e os olhos dos jovens. Porque eles não fazem ideia do que aconteceu. Eles não fazem ideia do significado do que pode acontecer agora. Esses livros são um alerta cultural, um alerta político, um alerta histórico para os jovens do que significa entrar no processo de servidão voluntária. A luta contra a servidão voluntária é também a luta contra a ignorância. Porque a ignorância é arrogante e a ignorância produz o mal.”

Clique nos links abaixo para ler as introduções aos livros:

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Livro Branco sobre os Acontecimentos da Rua Maria Antonia – 2 e 3 de Outubro de 1968

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Maria Antonia: Uma Rua na Contramão

 

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Leia mais

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