Pesquisadores revelam a física e a química por trás da complexidade da natureza

Descoberta sobre princípios físicos e químicos da formação de estruturas complexas pode auxiliar em estudos sobre vírus como o da covid-19

 05/06/2020 - Publicado há 4 anos     Atualizado: 08/06/2020 às 19:58
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Partícula sintetizada pelos pesquisadores durante o estudo, vista em imagem de microscopia eletrônica; descoberta poderá auxiliar cientistas a entender a estrutura de vírus como o da covid-19 – Foto: Divulgação

Uma pesquisa internacional com a participação do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP revela os princípios físicos e químicos que levam ao surgimento na natureza de estruturas complexas, entre elas os vírus. Os pesquisadores realizaram experimentos que demonstraram a importância das interações físicas e de propriedades como a simetria para a criação de sistemas complexos a partir de pequenos conjuntos de moléculas. A descoberta poderá facilitar a criação de novos compostos químicos e o desenvolvimento de produtos ópticos e eletrônicos inovadores, além de auxiliar os cientistas a entender a estrutura de vírus como o da covid-19.

As conclusões dos pesquisadores são relatadas em artigo publicado na revista Science no último dia 9 de abril. “O estudo mostra como realizar e entender a formação de estruturas sintetizadas em laboratório, com grau de complexidade comparável, ou até maior, que as produzidas por sistemas biológicos, na natureza”, conta ao Jornal da USP o professor Sérgio Muniz, do IFSC, um dos coordenadores da pesquisa.

O trabalho demonstrou princípios físicos e estratégias que podem ser seguidas para contornar dificuldades práticas e avançar o conhecimento fundamental para produzir sistemas e estruturas com esse grau de complexidade maior, a partir da síntese de moléculas simples (blocos fundamentais) no laboratório.”

A partir de um sistema modelo, usando estruturas moleculares de Au-Cys (átomos de ouro com o aminoácido cisteína), a pesquisa, com base em amplo conjunto de resultados experimentais, apoiados por modelos e cálculos computacionais, verificou que a simetria dos blocos moleculares fundamentais é muito importante, até mais que o próprio tamanho dessas moléculas. “No entanto, esse não é o único fator a ditar a complexidade final das estruturas”, relata Muniz. “Ela depende de um balanço energético e termodinâmico de um conjunto de interações e restrições físicas, que competem entre si, como interações eletrostáticas, elásticas (mecânicas), bem como de propriedades de simetria moleculares, como a quiralidade.”

Para que ocorra o surgimento de estruturas complexas é importante que os ganhos e penalidades energéticos dessas interações sejam todos da mesma ordem de grandeza, ressalta o professor. “Se um deles dominar sobre o outro, as estruturas observadas serão de baixa complexidade”, afirma. “O estudo apresenta um mapa que mostra como a complexidade varia com os parâmetros de quiralidade e temperatura e propõe uma forma de quantificar o grau de complexidade das estruturas, usando procedimentos matemáticos.”

Simetria

Sérgio Muniz: estruturas sintetizadas em laboratório, com complexidade comparável às produzidas por sistemas biológicos – Foto: Divulgação IFSC

Muniz explica que quiralidade é uma propriedade física associada à simetria das moléculas. “Na química, também é chamada de isomeria óptica e está associada à propriedade de simetria de reflexão de uma molécula, isto é, está relacionada à forma como os átomos estão distribuídos numa molécula”, afirma. “A palavra quiral vem do grego e quer dizer ‘mão’. Uma analogia comum é observar a simetria que existe entre as mãos esquerda e direita. Embora uma seja a imagem refletida da outra, elas não podem sem sobrepostas perfeitamente”, explica Muniz ao Jornal da USP.

Deste modo, o professor aponta que nesses isômeros as moléculas de um mesmo composto químico são como imagens no espelho, uma da outra, e têm diferenças em algumas interações físico-químicas. “Essas propriedades são extremamente importantes em sistemas biológicos, pois a maioria das moléculas orgânicas, presentes em organismos vivos, são moléculas quirais”, destaca.

A grande maioria dos aminoácidos, por exemplo, que formam os blocos fundamentais das proteínas, são moléculas quirais. O estudo demonstrou que, embora não seja o único, a quiralidade é um dos fatores importantes para o surgimento de estruturas complexas.”

Segundo o físico, os resultados da pesquisa estão ligados a propriedades físicas e químicas de grande interesse prático e diversas aplicações. “Por exemplo, eles estão associados a estabilidade física (dispersão) e química (reatividade) de coloides em soluções e aerossóis, e em processos de catálise assimétrica, para síntese química”, observa. “Também estão relacionadas às propriedades ópticas, como polarização, emissão e absorção de luz, com potencial de aplicações nas áreas de fotônica e optoeletrônica.”

Os princípios físico-químicos investigados no estudo também guiam a complexidade das estruturas biológicas, afirma o professor. “Isso acontece desde os vírus até a interação seletiva de nanopartículas ou micropartículas de interesse terapêutico, como um sistema de entrega dirigida de fármacos a alvos específicos dentro do organismo”, relata.

No caso da covid-19, esse conhecimento básico pode auxiliar nas pesquisas sobre síntese de estruturas com simetria parecida com as do vírus da doença ou de estruturas moleculares em fármacos seletivos que possam atacar ou desativar sua ação nas células.”

De acordo com Muniz, o trabalho foi desenvolvido antes do surgimento da doença, e não tem relação direta com estudos sobre o vírus e o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. “Há conexões que podem ser feitas, do ponto de vista da ciência básica, que podem inspirar iniciativas futuras, porém essas pesquisas levarão algum tempo. A medida de proteção mais efetiva contra a doença ainda é o distanciamento e o isolamento social”, conclui.

A pesquisa foi coordenada por Muniz e os professores André Faria de Moura, da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), Nicholas Kotov, da Universidade de Michigan (EUA) e Christopher Murray, da Universidade da Pennsylvania (EUA). Também participaram pesquisadores do California Institute of Technology (EUA) e das universidades de Shanghai e Lanzhou (China).

Mais informações: e-mail srmuniz@ifsc.usp.br, com o professor Sérgio Muniz


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