Negligenciada no Brasil, ventilação reduziu em mais de 80% risco de infecção por covid em escolas italianas

Ventilação com exaustores na Itália foi capaz de diminuir a taxa de incidência da covid em até cinco vezes, de 250 para 50 casos por 100 mil alunos; ventiladores junto a janelas e portas abertas podem ser alternativa na realidade das escolas brasileiras

 25/03/2022 - Publicado há 3 anos     Atualizado: 31/03/2022 às 10:45
Escola Municipal em Ribeirão Preto - Foto: Reprodução Prefeitura da cidade de Ribeirão Preto

Com a queda na obrigatoriedade das máscaras, condenada pelos especialistas, restam menos medidas para diminuir a transmissão da covid, mas elas existem. Uma delas, bastante efetiva e pouco aplicada no contexto brasileiro, é a ventilação adequada dos ambientes. Estudo conduzido pela Fundação David Hume na região de Marche, na Itália, observou dados de mais de 10 mil escolas e concluiu que a implementação de sistemas de Ventilação Mecânica Controlada (VMC) em salas de aula reduziu em 82,5% o risco de infecção pelo sars-cov-2 entre os alunos.

A VMC é basicamente a utilização de exaustores de ar para forçar a troca de ar, e foi usada no contexto do Hemisfério Norte, onde as janelas ficam vedadas para manutenção do aquecimento em boa parte do ano. Mas a medida pode ser adaptada para o contexto das escolas brasileiras. Janelas e portas abertas, e a colocação de ventiladores junto a elas, já teriam a capacidade de exercer o papel dos exaustores. Contudo, mais que uma medida genérica, a prática teria que ser aplicada com medição quantitativa. As situações variam muito em cada escola, e é preciso verificar se a ação já está sendo capaz de atingir a taxa de renovação do ar recomendada, defende Erick Sousa, pesquisador do Observatório Covid-19 BR e doutorando da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Para isso, é necessário a utilização de medidores de CO2, dispositivos relativamente simples e baratos e que já têm ampla utilização em alguns países. Já existe inclusive uma lei federal, anterior à pandemia (13.589/2018), com referência à resolução da Anvisa que aborda a importância da renovação de ar, citando o monitoramento com medidores de CO2 do tipo NDIR.

Medidor de CO2. Ao mostrar a proporção da quantidade de CO2 presente no ar, dispositivo aponta se o ambiente está seguro ou representa alto risco de transmissão, quando medidas precisam ser tomadas, por exemplo: mais ventilação, diminuição da quantidade de pessoas no recinto, realização de intervalos para troca de ar e deposição dos aerossóis que possam carregar o vírus – Foto: Divulgação
Medidor de CO2. Ao mostrar a proporção da quantidade de CO2 presente no ar, dispositivo aponta se o ambiente está seguro ou representa alto risco de transmissão, quando medidas precisam ser tomadas, por exemplo: mais ventilação, diminuição da quantidade de pessoas no recinto, realização de intervalos para troca de ar e deposição dos aerossóis que possam carregar o vírus – Foto: Divulgação

Para ambientes que usam ar condicionado, como empresas, o sistema de exaustão deveria ser aplicado, e seria um grande reforço na prevenção do contágio. “Mas aqui no Brasil essa questão foi deixada de lado, principalmente com o uso massivo de equipamentos do tipo split. Se a renovação de ar não foi contemplada no projeto, deixando para ser adaptada depois, ela anda na contramão da climatização, porque o ar colocado de fora no ambiente aquece a massa climatizada. E acaba consumindo mais energia”, explica o pesquisador. Também por isso, há pouco interesse de empresas e estabelecimentos em aplicar a norma, e tampouco há fiscalização.

“Negligente e superficial”

Para Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da FFLCH e coordenadora científica da Rede de Pesquisa Solidária, uma iniciativa de pesquisadores voltada a aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas em meio à crise da covid-19, o estudo da Fundação Hume é muito importante por fazer uma análise isolando um fator específico e mostrar a grande variação de risco que mudanças na ventilação provocam.

“Apesar de estarmos lidando com um vírus que se transmite pelo ar, o tratamento do poder público sobre essa via de contágio é negligente e superficial”, aponta a pesquisadora. No final do ano passado, o levantamento da Rede Solidária que elaborou o Índice de Segurança do Retorno às Aulas Presenciais mostrou que nenhum Estado sequer citou a ventilação e o monitoramento de CO2 no ar em seus protocolos de segurança.

E a questão continua sem receber a devida atenção em 2022, com a agravante de que as outras medidas de proteção estão sendo flexibilizadas, como no caso da eliminação da política de lotação reduzida das salas. Lorena Barberia explica que os protocolos precisam pensar vários fatores complementares (vacinação, distanciamento, uso de máscaras, ventilação e qualidade do ar) e que é irresponsável modificar medidas de um âmbito sem pensar em como compensar isso em outras áreas. “Eliminar o distanciamento físico sem investir em monitoramento de CO2 ou em ventilação, por exemplo, agrava muito os riscos”, aponta.

Lorena Barberia - Foto: FFLCH/USP

Ela também alerta para a necessidade de levar em consideração fatores climáticos. Existem várias regiões do Brasil em que períodos de muito calor ou frio fazem as escolas fecharem as janelas para aquecer o ambiente ou ligar o ar condicionado, e a tendência é que isso potencialize os problemas já alarmantes de falta de ventilação.

O estudo

A pesquisa monitorou os casos de contágio atribuíveis a infecções ocorridas dentro da sala de aula entre setembro de 2021 e janeiro de 2022. Foram 10.441 observadas no total, sendo 316 realizadas em ambientes com algum tipo de sistema de VMC instalado e ativo. O relatório preliminar do estudo está disponível no site.

Os pesquisadores separaram os sistemas em três categorias, de acordo com sua faixa de eficiência: os com número médio de trocas de ar/hora de 2,4, os de média de 4 trocas de ar/hora e os de 6 trocas de ar/hora. Nas salas com sistemas da primeira categoria, o número de casos atribuíveis foi 40% do que em salas sem nenhuma VMC. Nas da segunda, 66.8% menor. E nas da terceira categoria, com a ventilação mais eficiente, foi 82,5% menor.

 

Erick Sousa - Foto: Arquivo pessoal

“O que a pesquisa nos deu foi uma dimensão quantitativa, e estatisticamente relevante, do real impacto da ventilação. O estudo foi capaz de comparar a incidência das infecções nas escolas com e sem o sistema de exaustão, incluindo períodos de alta circulação do vírus em uma região”, diz Sousa, que não participou deste trabalho, mas estuda o tema e integra uma rede internacional de pesquisadores com foco na ventilação, a Aireamos (“ventilamos”, do espanhol).

De acordo com os autores do estudo, o uso de sistemas de VMC de eficiência máxima nas escolas poderia diminuir a taxa de incidência da covid em até cinco vezes, de 250 casos por 100.000 alunos para 50 casos por 100.000 alunos.

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Reforço à vacinação

A influência robusta da qualidade da ventilação nas taxas de transmissão da covid em espaços fechados é reforçada por outras pesquisas. Um estudo publicado em novembro de 2021 no periódico científico BMC Infectious Diseases buscou avaliar em quais cenários seria seguro permitir lotações normais pré-pandêmicas em ambientes fechados. Para isso, os pesquisadores modelaram matematicamente várias combinações diferentes de níveis de ventilação do local e número de indivíduos.

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Os resultados mostraram que, dentre os cenários considerados por eles (um restaurante, uma prisão e uma sala de aula), a sala de aula com uma VMC de eficiência de 6 trocas de ar por hora (a eficácia máxima dentre as analisadas pelo estudo italiano) foi a que teve o menor limite de pessoas imunizadas necessário para controlar a transmissão da doença.

Para as escolas, a diferença do limite mínimo de pessoas vacinadas para o cenário de ventilação natural e para o cenário com VMC de alta eficácia foi de mais de 50%, o que evidencia o quão importante é a ventilação no âmbito das medidas de prevenção.

“Focar na qualidade da ventilação em paralelo à vacinação é especialmente importante, considerando a maior transmissibilidade da variante delta e que as vacinas não oferecem 100% de proteção”, afirmam os autores do artigo, além de reforçar que evitar aglomerações segue sendo uma estratégia de prevenção crítica.


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