Participação da população é crucial para combater a exploração sexual infantil

Daniel Pacheco, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, diz que crescimento de quase 50% no número de denúncias este ano se deve a um esforço coletivo das forças policiais e da população

 20/07/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 25/07/2023 as 9:15
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O Disque 100 funciona 24 horas, todos os dias da semana. Basta ligar gratuitamente para realizar uma denúncia – Foto: Pixabay
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Em 2022, a Polícia Federal resgatou 181 crianças e adolescentes em situação vulnerável à exploração sexual em todo o território brasileiro, número que avança desde 2015, de acordo com os dados do projeto Mapear, desenvolvido pela Polícia Rodoviária Federal. Esse projeto elabora um relatório bienal com o número de crianças em situação de exploração sexual e um levantamento dos pontos mais vulneráveis no território nacional, aqueles locais que por suas características podem ser utilizados para cometer esse crime. 

No Disque 100, serviço que recebe denúncias anônimas de violações dos direitos humanos em todo o País, as denúncias de violência sexual contra crianças também apresentaram um crescimento significativo, com aumento de 48% nos primeiros quatro meses de 2023. O professor Daniel Pacheco, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, especialista em direito penal, relaciona o avanço das tecnologias ao aumento das denúncias: “A Polícia Federal utiliza-se de meios mais eficientes e, portanto, é recompensada com um número maior de denúncias”.

Entre janeiro e junho de 2023, o Disque 100 registrou 9.500 denúncias anônimas de crimes desse tipo. Para o professor, o aumento da participação da população no cenário crescente de denúncias tem uma explicação: “O Disque 100 recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos de grupos vulneráveis, como crianças, mulheres, idosos e a população LGBTQIA+. É um ‘pronto-socorro’ dos direitos humanos, por atender, 24 horas por dia, situações que acabaram de acontecer ou que estão em curso, acionando órgãos competentes”. 

Pacheco destaca que a participação da população é crucial para combater a exploração sexual infantil. “A criminologia fala que a melhor solução para a criminalidade é aquela feita pela própria sociedade, então a polícia, por mais bem equipada que esteja, precisa da colaboração do cidadão”, destaca.

Ele diz que creches, instituições de ensino, estabelecimentos de saúde, transportes públicos e carros de aplicativos, como Uber e 99, são alguns dos ambientes das violências denunciadas. Mas é a residência da vítima o principal local de violência. Segundo o Instituto Liberta, organização que trabalha pelo fim de todas as violências sexuais de crianças e adolescentes, 61% dos casos ocorrem em casa, com 86% dos agressores sendo conhecidos dos menores. O Instituto Liberta e outras organizações que lidam com essa temática acreditam que esses números podem refletir somente o crescimento das denúncias, não necessariamente dos casos. De acordo com estimativas, apenas 10% dos casos são denunciados.

Daniel Pacheco Pontes – Foto: Arquivo Pessoal

O professor também encontra na subnotificação um desafio enfrentado pelas autoridades policiais, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. “A participação da população nas denúncias é imprescindível. Quando as explorações sexuais não são notificadas, acontece a cifra negra.”

A cifra negra, refere-se à porcentagem de crimes não solucionados ou a crimes em que o agressor/infrator não foi punido, ou seja, crimes em que há a existência de um significativo número de infrações penais desconhecidas oficialmente. “Assim, a subnotificação mascara o número real de violência sexual”, continua o professor.

Ele também ressalta que a maior procura por canais de denúncia gera aumento da demanda e que é preciso responder adequadamente. “Se a demanda não é atendida, há risco do canal perder credibilidade. O famoso ‘denunciar não resolve’.”

Para tanto, o especialista vê importância de tornar o processo de denúncia mais acessível e efetivo. “A gente sempre pode pensar em maneiras de facilitar essas denúncias e, depois que a população colher esse fruto, a população tem que sentir que a denúncia vai ser efetiva, que vai surtir algum resultado”, afirma. Ele sugere que a denúncia seja simplificada permitindo o registro on-line, além de garantir o anonimato do denunciante.

Apesar dos significativos avanços com as denúncias e a punição dos criminosos, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 relatam que 61,3% dos estupros registrados no Brasil são contra menores de 13 anos e 85,5% das vítimas são do sexo feminino. Já a relação da faixa etária e de gênero nesse tipo de violência é de 4 a 8 anos a idade da maioria dos meninos vítimas de violência sexual e de 10 a 14 anos a idade da maioria das meninas.

Essa é uma violência que sempre existiu, mas o professor acredita que o aumento no número de registros pode significar que a sociedade esteja desnaturalizando e reagindo a essa prática. “Só com a quebra do silêncio é que essa violência pode ser enfrentada”, diz Pacheco.

Como denunciar

O Disque 100 funciona 24 horas, todos os dias da semana. Basta ligar gratuitamente. Além dele, outros telefones úteis são disponibilizados pela Secretaria Municipal da Saúde da Prefeitura de Ribeirão Preto para denunciar. 

A denúncia pode ser feita presencialmente em uma delegacia de polícia, de preferência uma delegacia de proteção à mulher ou de crianças e adolescentes. Além disso, os Conselhos Tutelares podem ser procurados para ajudar a tirar uma criança de uma situação de violência, ainda que seja uma suspeita.

Acesso à lista de telefones.

 

*Sob a orientação de Ferraz Junior


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