Brasil pode ser exemplo para o mundo em proteção humanitária para refugiados climáticos

Jurisprudência existente fornece mecanismos para que populações afetadas por desastres socioambientais busquem por reparação na justiça

 12/06/2024 - Publicado há 6 meses
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Populações afetadas por desastres socioambientais, como no caso da enchentes em Porto Alegre, podem procurar por indenização – Foto: Patrícia Coelho/Divulgação/PMPA
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A crise socioambiental e eventos climáticos extremos forçam um número crescente de pessoas a deixarem suas casas no mundo todo, fazendo com que milhares de migrantes busquem abrigo em outros lugares: os chamados refugiados climáticos. Segundo especialistas, as leis internacionais precisam ser adaptadas para garantir direitos a esses indivíduos e o Brasil possui mecanismos de proteção humanitária que podem servir de exemplo. 

A Convenção das Nações Unidas de 1951 define refugiado como alguém que, por medo de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas não pode retornar ao seu país e precisa de proteção em outro, não cobrindo, portanto, aqueles forçados a sair por causa de desastres ambientais ou eventos climáticos extremos. Em 2023, só de deslocados internos, aqueles que não cruzam as fronteiras, foram cerca de 26 milhões no mundo, incluindo 745 mil no Brasil, principalmente devido a tempestades, enchentes e secas, segundo dados do Centro de Monitoramento de Deslocados Internos (IDMC, na sigla em inglês).

Mesmo sem reconhecimento oficial do conceito no Direito Internacional, não se nega a existência do problema, destaca o professor Caio Gracco, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. “Não significa dizer que os países, diante dessa situação, não possam tomar medidas para proteger essas pessoas, mas significa que os países não estão obrigados pelo Direito Internacional a protegê-las.” 

Caio Gracco Pinheiro Dias – Foto: Lattes

Para o especialista em Direito Internacional, o Brasil tem adotado medidas que podem influenciar a criação de normas no mundo, como as políticas adotadas em resposta à crise migratória que trouxe muitos haitianos ao País, após o terremoto que atingiu a região da capital, Porto Príncipe, e deixou milhões de desabrigados.

Naquele caso, conta Gracco, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) “negava sistematicamente” os pedidos de refúgio dos haitianos, já que os motivos não se enquadravam nas hipóteses previstas para concessão de refúgio pela Convenção de Genebra. “Isso criou um problema, porque claramente a decisão do Conare acabava colocando em risco a proteção dos direitos dessas pessoas.”

Para contornar a situação, acrescenta o professor, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), em 2012, passou a conceder vistos por razões humanitárias aos haitianos, com duração inicial de cinco anos. A medida permitiu que os estrangeiros pudessem residir e trabalhar legalmente em território brasileiro, “reconhecendo-se a situação de vulnerabilidade”. A decisão provisória tornou-se permanente com a nova Lei de Migração de 2017.

“Essa é uma iniciativa que serve de exemplo para o resto do mundo e que, talvez, possa ser utilizada como base para uma negociação, que ainda não existe, para proteção dessa figura no direito internacional de uma maneira efetiva”, complementa Gracco.

Busca por reparação

O professor Márcio Ponzilacqua, também da FDRP, afirma que a legislação “está se adaptando à Convenção de Genebra”, e a jurisprudência existente já fornece mecanismos para a responsabilização e proteção das vítimas de desastres climáticos, como o caso de Ioane Teitiota, de Kiribati, país insular no Pacífico Central, que buscou refúgio na Nova Zelândia devido à elevação do nível do mar. Embora o pedido tenha sido negado, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a legitimidade da queixa, abrindo precedentes para outros casos similares.

Márcio Henrique Pereira Ponzilacqua – Foto: FDRP-USP

No Brasil, “a Lei 12.608, de 2012, estabelece a necessidade de ações conjuntas e competências entre os entes federativos, União, Estados e municípios, no caso da execução da política nacional de proteção e defesa civil no âmbito local”, cita Ponzilacqua, enfatizando a importância do mapeamento das vulnerabilidades e da adoção de medidas preventivas para proteger as populações afetadas.

O professor também ressalta que o Artigo 37 da Constituição Federal “diz que as pessoas jurídicas de Direito público e privado, prestadoras de serviço público, vão responder pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros”.

Dessa forma, em casos de indivíduos deslocados por desastres socioambientais no Brasil, é possível pedir indenização com base na responsabilidade civil extracontratual dos municípios. “Quando o agente público der causa por alguma negligência, ele tem que responder pelos atos praticados”, diz Ponzilacqua. Ou seja, nos casos em que os governantes ou terceiros que prestam serviços públicos “deveriam ter agido e não agiram”. 

Leis ainda precisam evoluir

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Segundo Ponzilacqua, “nós precisamos avançar muito, no sentido da proteção dos refugiados ambientais, que é uma expressão mais genérica, ou mesmo dos refugiados climáticos, que é mais específica e diz respeito especialmente àquelas pessoas que são obrigadas a se deslocar de um ponto para outro em decorrência das mudanças globais no clima como nós temos verificado recentemente.” 

Em 2023, o Brasil voltou a participar do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, de 2018, que, segundo Ponzilacqua, inclui “uma referência explícita” àqueles que buscam refúgios por causas ambientais. No Congresso, algumas propostas, como o Projeto de Lei 1.594/2024, pautado após os desastres das enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, preveem a adoção de estratégias integradas em diferentes setores para reconstrução das condições de vida, visando a políticas direcionadas à “moradia, educação e empregabilidade dos refugiados do clima”, afirma o professor. 

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