USP adere a programa britânico para capacitação em produção de semicondutores 

Anunciado na última semana, a Universidade se torna a primeira da América do Sul a aderir ao programa. De acordo com Marcelo Zuffo, hoje 50% do PIB mundial depende dos semicondutores

 19/12/2022 - Publicado há 1 ano
Foto: D-Wave Systems Inc/Wikimedia Commons
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Na última semana, a USP anunciou, ao final do seminário Os Semicondutores e a Competitividade da Indústria Brasileira, a adesão ao programa de capacitação de pesquisas Arm Academic Access, da empresa de semicondutores britânica Arm. Ela se torna, assim, a primeira universidade sul-americana a aderir a esse programa, que tem como objetivo fornecer soluções inovadoras para uma ampla gama de aplicações dos semicondutores. 

A indústria de semicondutores, inclusive, tem um impacto e uma participação importante no desenvolvimento da indústria 4.0, de eletrônicos e de muitos outros setores. Sobre esse assunto, a Rádio USP conversou com o professor titular do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP e diretor do InovaUSP, Marcelo Zuffo. 

Roxane Ré: Como o rompimento da cadeia de semicondutores, em função da pandemia e da guerra na Ucrânia, acabou impactando o mundo e o Brasil?

Marcelo Zuffo: “Os semicondutores são um tipo de material encontrado na natureza que, como o próprio nome diz, conduz ou não conduz, o que cria uma situação binária, zero ou um. A matéria-prima básica para toda essa revolução digital é o semicondutor. Nas últimas duas décadas, por uma decisão de política industrial atrelada à globalização, houve uma concentração muito grande da tecnologia de beneficiamento de construção de chips com os semicondutores na Ásia e, ao longo da pandemia, os Estados Unidos e a China entraram no processo de forte disputa comercial. Os semicondutores são a base de toda a sociedade moderna: nós temos estimativas que mostram que 50% do PIB mundial de tudo que nós temos em termos de atividade econômica é baseada em semicondutores. Isso vai aumentar para 80% em uma década e, em três décadas, 100% da humanidade vai depender deles, a não ser que surja uma outra tecnologia. Com o semicondutor, a gente consegue fazer uma chave binária zero-um que, organizada, vira microprocessadores, que estão em todos os lugares. Por isso que é importante que o Brasil entre de vez nesse mercado. Para você ter uma ideia, o Brasil está tão fora do mercado que o nosso déficit na balança comercial em eletrônicos é de US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões, e só de semicondutor chega a 6 bilhões. Mesmo assim, nós somos praticamente o terceiro maior consumidor do mundo de celulares, depois da China e dos Estados Unidos”. 

Marcelo Zuffo – Foto: Reprodução

Roxane: Qual é o espaço que a nossa indústria ocupa no sentido de produção?

Zuffo: “Em termos de produção, nós estamos abaixo da posição trigésima. Nós temos o que a gente chama de um mercado reprimido: o tamanho do mercado brasileiro é muito menor do que poderia ser em função da gente não ter indústria local. Se você pegar o PIB da indústria eletroeletrônica brasileira e comparar com o PIB nacional, verá que nós estamos desproporcionalmente defasados, o que, no final do dia, traz impacto na qualidade de vida da população”.

Roxane: Fazer parte dessa rede permitirá que a USP projete integralmente esses microprocessadores de alto desempenho? Como foi possível esse trabalho e o que a USP vai poder oferecer?

Zuffo: “O setor de atividade econômica de semicondutores é considerado uma área chamada de deeptec, ou seja, tecnologia profunda. Foi assim em todos os lugares do mundo: as nações que conseguiram estruturar os seus arranjos produtivos, as suas cadeias produtivas, as suas revoluções industriais, a tecnologia acabou por começar na universidade. Foi assim com a internet e foi assim na década de 1970 com as grandes empresas americanas de microprocessadores, como a Intel, Motorola e a National: elas começaram projetando os seus microprocessadores nas faculdades. É a mesma coisa com a parceria com a Arm. Ela começou em laboratórios de Cambridge, uma universidade muito relevante – como é a USP no Brasil – na Inglaterra e no Reino Unido. A tecnologia profunda, em todos os lugares do mundo, começa na universidade. Então, é muito importante uma ação afirmativa propositiva, visando ao bem-estar da população e que os cientistas da Universidade se unam em torno dessas questões”.

Roxane: Essa tecnologia que será projetada, desenvolvida, vai poder ser utilizada em equipamentos de tudo que a gente já vem tratando aqui: a internet das coisas, 5G, inteligência artificial?

Zuffo: “O primeiro passo é se aliar às grandes cadeias internacionais. Nós estamos com foco no projeto, mas, numa segunda fase, estamos visando ao beneficiamento de semicondutores no Brasil. Não vamos esquecer que há 50 anos professores da Escola Politécnica da USP conseguiram projetar e fabricar um chip do zero, então nós temos esse know-how no Brasil. Agora, nós precisamos pegar esse know-how e fazer uma inserção em cadeia econômica e essa inserção se dá através do projeto de chips avançados, que nós temos plena capacidade [de desenvolver]. Eu estava vendo os números outro dia do programa de pós-graduação da Engenharia Elétrica da Poli e, nos últimos anos, ele formou 3.500 mestres e doutores. Ou seja, nós temos esses especialistas, eles precisam apenas se aglutinar em torno de grandes causas que vão alavancar o desenvolvimento no País”.

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Roxane: A universidade, com a contribuição que a USP vai dar, vai ingressar num seleto grupo dos países que conseguem projetar inteiramente esse tipo de semicondutor?

Zuffo: “Os países que têm o domínio dessa tecnologia acabam tendo o domínio de toda a cadeia. Por uma questão muito simples: os microprocessadores são semicondutores complexos de se fabricar; o fato de o microprocessador executar programas, por exemplo, o computador, o tablet ou o celular. Hoje, estão presentes até no relógio de pulso digital, no painel eletrônico do carro, no farol, na trava da porta, no ajuste do banco, nas lanternas traseiras. Os microprocessadores têm essa situação: a gente tem que fazer software para ele. A grande pegada do software é que gera muito emprego. A estimativa é que nós podemos gerar milhares, ou milhões de empregos, a partir dessa iniciativa [da produção de semicondutores].

Roxane: O próximo passo é se unir à indústria para colocar isso em prática e aguardar a formação do centro [de pesquisa]?

Zuffo: “Esta semana mesmo nós estamos começando a estruturar o nosso Centro de Projeto. Nós temos uma quantidade muito grande de alunos recém-formados politécnicos, muitos deles até se voluntariaram a ajudar, então nós estamos montando agora o Centro de Projeto, e pretendemos abrir as portas já em janeiro”.


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