Mudanças climáticas já afetam a saúde de 70% dos trabalhadores no mundo. Os dados constam de relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O documento afirma que as medidas de segurança e saúde no trabalho encontram dificuldades para se adequar a essa nova realidade. O professor Guilherme Guimarães Feliciano, do Departamento de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito (FD) da Universidade São Paulo, fala sobre as consequências desses novos fenômenos na qualidade de vida dos trabalhadores.
Segundo o relatório, é comum que os trabalhadores sejam a primeira camada da população a sofrer com os novos riscos gerados pelas mudanças climáticas. “As alterações atingem especialmente os trabalhadores mais pobres, sobretudo, na segurança e saúde de trabalhadores informais e sazonais.”
Os dados revelados pelo relatório são preocupantes. Mais de 1 bilhão de trabalhadores são expostos à poluição atmosférica, o que está diretamente relacionado a 860 mil mortes entre pessoas que trabalham ao ar livre. Entre os trabalhadores na agricultura, aponta-se que 870 milhões foram provavelmente expostos a pesticidas e relacionam esse número diretamente a 300 mil mortes atribuídas a envenenamento e 15 mil mortes resultantes de exposição a doenças parasitárias. Além disso, em 2020, o porcentual de trabalhadores afetados pelas alterações climáticas foi de 71%.
Legislação
O professor aponta que houve uma piora no tratamento da questão nos meios legislativos nos últimos anos. “No governo Bolsonaro, por exemplo, o Ministério do Trabalho foi extinto. As questões como saúde, higiene do trabalho e segurança foram todas passadas para a pasta do Ministério da Economia. Hoje o Ministério foi restabelecido, mas não trata da prevenção dos problemas, mas sim da remuneração extra em caso de exposição à insalubridade” , conta.
O docente explica que, na norma regulamentadora de número 15, anexo 3, o calor é tratado como uma insalubridade e fala que, em caso da exposição de um trabalhador a uma condição insalubre, a empresa deverá pagar um acréscimo salarial, a depender do nível de risco das condições de trabalho na atividade. “Para um grau médio de risco é previsto um adicional de 20% em cima do salário mínimo, por exemplo”, adiciona. Ele cita ainda que essa lei foi mudada em 2019, passando a reconhecer apenas o calor proveniente de fontes artificiais como passíveis de abono do acréscimo de insalubridade.
“Os trabalhadores rurais, por exemplo, são expostos não apenas ao calor, mas também aos chamados defensivos agrícolas, os agrotóxicos. Esses estão sobretudo expostos ao calor natural e, no final das contas, a legislação brasileira acaba sendo uma amarra para a Justiça do Trabalho. Esses trabalhadores não têm essa proteção nem o direito ao adicional, porque a alteração passa a conter apenas os casos de calor oriundo de fonte artificial, essa foi uma mudança muito ruim”, comenta.
Lacunas do futuro
O especialista fala ainda sobre o despreparo das instituições para os efeitos futuros dessas mudanças. Ele explica que, especialmente no Hemisfério Norte brasileiro, as mudanças podem ter consequências graves para as quais a legislação brasileira ainda não se atentou. “As estações marcadas começam a desaparecer, faz calor praticamente o ano todo. Combinada com os ambientes úmidos, nós temos proliferação de insetos muito maior. Com eles vêm doenças e pragas. O que impacta não somente a saúde do País, mas a economia também. Mais pessoas doentes, mais pessoas utilizando recursos da Previdência. O caso da dengue hoje é um exemplo disso, a doença afeta a saúde pública e também a produtividade geral, por afastar os trabalhadores de suas atividades. Esses efeitos indiretos ainda não estão em pauta”, finaliza Feliciano.
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