Adotar o semipresidencialismo não resolve instabilidade política no Brasil

Na avaliação de pesquisadores da USP, a falta de diálogo e negociações dificulta a formação de uma coalizão entre os Poderes

 29/07/2021 - Publicado há 3 anos

 

Manifestações em Brasília – Foto: Fotos públicas
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O debate sobre a adoção do semipresidencialismo no Brasil ganhou força depois que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), passou a articular uma mudança no modelo de governo. Para isso, tramita uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada, estabelecerá o sistema a partir de 2026.

Para Joyce Hellen Luz, doutoranda do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o “modo como os poderes são atribuídos ao Executivo e ao Legislativo poderia acomodar o semipresidencialismo”. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, ela explica que o sistema coloca mais um ator em jogo: a figura de um primeiro-ministro. “Dependendo do que nós vamos alterar, precisaríamos de uma nova Constituição.”

Na avaliação de Danilo Buscatto Medeiros, mestre em Ciência Política também pela FFLCH, a discussão jurídica aponta que a mudança poderia ser feita por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional, sem passar por uma constituinte, mas existe a possibilidade de que o tema termine no Supremo Tribunal Federal (STF). “Com certeza, partes que se sentissem prejudicadas entrariam com uma ação no Supremo.”

Medeiros ressalta que existem muitas variedades de modelos, que devem ser tratadas como um espectro, não como uma caixa de opções. No geral, o parlamentarismo funciona a partir da escolha de um primeiro-ministro por parte da maioria do Poder Legislativo, que poderia tirá-lo do cargo. Esse premiê atua como chefe de governo, responsável pela agenda de políticas públicas.

No caso do semipresidencialismo, normalmente quem escolhe o primeiro-ministro é o presidente, e o Legislativo continua com o poder de tirar o ministro do cargo. Neste modelo, enquanto o premiê é chefe de governo, o presidente exerce a chefia de Estado, ou seja, define questões relativas ao Exército e a relações internacionais.

Essa proposta é apresentada como um incentivo à estabilidade política e vem na esteira dos muitos pedidos de reforma e impeachment feitos a Lira. “A gente tem vários exemplos de semipresidencialismo pelo mundo que não indicam maior estabilidade política, especialmente em sistemas com alta fragmentação partidária, como é o caso do Brasil”, afirma Medeiros. Neste contexto, fica mais difícil para o primeiro-ministro formar coalizões. “A ideia de que o semipresidencialismo vai salvar o País da instabilidade política por si só é uma ideia com pouca ancoragem teórica e empírica”, acrescenta.

O Brasil já realizou dois plebiscitos, em 1963 e 1993, para que a população pudesse decidir o sistema de governo. Nas duas oportunidades, o presidencialismo, que é o modelo atual, foi escolhido. Para Joyce, o grande problema no País é a dificuldade em negociar com o grande número de partidos. “Mudando o sistema, a gente sempre vai cair nesse problema da negociação”, afirma, como ocorre em países que já adotaram o semipresidencialismo. “A gente precisa criar essa ponte de negociação e criar a maioria dentro do Legislativo”, conclui.


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