As instalações Projeto para um mundo novo (2016), Projeto para um Japão (2013), Projeto para uma Polônia (2013), entre outras do mesmo período, expressam esse procedimento formal e conceitual de sua obra. Nessa série, surgem bandeiras nacionais, como a do Japão, da Grécia ou de Cuba, com cores que destoam das originais. Essas peças também são precárias, bem como os materiais e o modo como são instaladas. Esse aspecto guarda como referências os suportes e os métodos empregados na arte povera. Na instalação Protótipo para um lugar seguro (2017), o artista alinha a bandeira em azul e amarelo do Japão com o auxílio de uma câmera de ar. Algo que deveria ser cercado de solenidade, uma vez que é o símbolo bélico da identidade de uma nação, ganha ar prosaico ou até maltrapilho – como se realmente fosse o “projeto” de uma nova territorialidade utópica. Aqui o emprego da cor evoca sentimento duplo: desconforto e reflexão.
Sob uma perspectiva histórica, a série de Julio Leite ganha ainda mais densidade – os anos de 1990 marcam o início das primeiras experiências estéticas do artista, mas também a queda do Muro de Berlim, a dissolução da URSS, as guerras étnicas, a globalização e a popularização da internet, todos acontecimentos que reconfiguraram o mapa múndi. As fronteiras tornaram-se movediças (caíram por terra as espaciais e as temporais), os nacionalismos foram postos em debate, identidades foram resgatas num processo intenso de ação e reação. Nessa ordem mundial, as bandeiras, assim como os mapas cartográficos e os símbolos tidos como nacionais mostram o que de fato eram: instrumentos de poder – uma força, colocada como “natural”, mas que não suporta questionamentos.
Trinta anos mais tarde, as bandeiras de Mundo Mix (2018), alteradas pelas cores e subsidiadas pelas orientações da land-art, questionam esse símbolo de hegemonia. A série de Julio Leite alerta para as mudanças e incertezas da geopolítica atual – algo que até meados de 1980 parecia inexorável. Os registros fotográficos das performances trazem o artista fincando bandeiras na paisagem – nelas, a leitura da bandeira como conquista do território (e/ou paisagem) fica evidente. Não há como fugir da ideia de posse, de colonização e de domínio do natural pelo homem. A cartografia, assumida como natural, não é mais que o exercício do poder daqueles que se dizem “donos da terra”. Os mapas podem “desenhar” o lugar, mas não o “produzem” efetivamente. Retornando às performances de Leite: qual foi a nação conquistadora? As cores distorcidas não dão margem à certeza. Tem-se, então, espaço aberto para o que Merleau-Ponty denomina como percepção espaço-temporal.
No duelo entre o local e o global, Julio Leite mostra que os velhos símbolos têm significados para além do conceito; eles dizem que há algo estranho; que eles não podem ser considerados naturais. O jogo imagético de Julio Leite fundamenta sua produção. Eles são formas simbólicas empregadas para a mediação entre o homem e a paisagem e refletem, sobretudo, as mudanças na configuração espacial que, por sua vez, estão ligadas ao equilíbrio das forças socioeconômicas globais que, consequentemente, criam uma nova geografia do poder – o mundo das aparências se dissolve. A apreensão visual que o artista proporciona tece o mundo com códigos próprios. Ele nos ensina a ver, repare!
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