O papel da inovação no autoentendimento da USP

Por Marcos Barbosa de Oliveira, professor da Faculdade de Educação (FE) e do Instituto de Estudos Avançados (IEA), ambos da USP

 29/06/2023 - Publicado há 10 meses
Marcos Barbosa de Oliveira – Foto: FFLCH
Foi com grande satisfação que recebi a notícia da publicação do livro USP: novos tempos, novos olhares, ainda maior pela facilidade do acesso no Portal de Livros Abertos. A obra me pareceu um ótimo recurso para o leitor tomar conhecimento do estado da arte no campo da reflexão da USP sobre si mesma ou, em outras palavras, sobre o autoentendimento da USP.

Como nos últimos tempos tenho me dedicado ao tema da inovação, comecei a leitura pelas três contribuições que têm a palavra “inovação” no título. Entre as três, a mais relevante do meu ponto de vista é a de autoria do professor Guilherme Plonski, intitulada Missão inovar: um ensaio sobre a inovação na construção do futuro da Universidade. Na apresentação do livro, dizem os organizadores: “A ideia que permeia este livro é a de estimular o debate e a reflexão, muito mais do que buscar o consenso” (p. 10). Estimulado por essa afirmação, adotei o plano de expressar e propor para discussão alguns comentários, que espero sejam construtivos.

O primeiro comentário é uma observação crítica relativa a um problema que meio subconscientemente me incomodou desde que comecei a tratar do tema em pauta, e que agora vejo com clareza. A observação aplica-se a todos os participantes do movimento em prol da inovação. O problema é a incoerência lógica presente no adicionamento da inovação à pesquisa.

Uma pesquisa, tanto na ciência básica quanto na aplicada, tem o objetivo de responder a uma pergunta ainda não respondida. Se bem-sucedida, a pesquisa dá origem a algo que não existia, a algo novo, ou seja, a uma inovação. Isso significa que a ideia de inovação está implícita na de pesquisa. Sendo assim, o adicionamento da inovação à pesquisa incorre na incoerência lógica que consiste em acrescentar ao todo uma parte do todo. A proposição “a pesquisa e a inovação são importantes” é análoga à proposição “todos os metais e o ferro se expandem quando aquecidos”.

No debate público, a incoerência lógica numa posição muitas vezes não é resultado de um lapso intelectual, mas sim, um sintoma de um problema mais profundo. Pode-se demonstrar que esse princípio vale no caso em pauta com base na análise crítica da história do movimento em prol da inovação. O problema profundo é o que decorre da tensão existente entre a pesquisa como busca do conhecimento, de um lado enquanto um fim em si mesmo, de outro enquanto valor econômico no sistema de mercado.

Passamos agora à contribuição do professor Plonski. O artigo dedica várias páginas a aspectos históricos do tema, sem dúvida importantes, porém causou-me espécie a falta de menção, por um lado, ao famoso relatório elaborado pelo engenheiro e administrador científico Vannevar Bush, atendendo a um pedido do presidente Roosevelt, entregue a seu sucessor Truman em julho de 1945, e publicado com o título de Science: the endless frontier. Esse documento é considerado por muitos estudiosos um marco importantíssimo na história da ciência e da tecnologia na segunda metade do século 20, não apenas nos Estados Unidos, mas em muitos outros países, inclusive o nosso.

Outra carência que me chamou a atenção é a que diz respeito mais especificamente à inovação. Trata-se da falta de menção ao economista inglês Christopher Freeman, o principal responsável pela importância que adquiriu o conceito a partir dos anos 70 do século passado, primeiro no campo das políticas científicas e tecnológicas, depois muito mais amplamente. Seu livro The Economics of Industrial Innovation, publicado em 1974, tornou-se a Bíblia do movimento empenhado no estabelecimento da produção de inovações como a função primordial da pesquisa científica.

De longe, a omissão mais importante, entretanto, é a referente aos resultados do movimento pró-inovação no Brasil, que deixam muito a desejar. Depois de mais de vinte anos, contados a partir da criação dos fundos setoriais, a produção de inovações no País permanece estagnada ou, na pior hipótese, tem regredido. Não havendo o reconhecimento explícito do fracasso, não se investigam suas causas, tornando a campanha um malhar em ferro frio.

A exposição das evidências para tal diagnóstico excederia a extensão adequada para este texto. Elas se encontram em artigos de minha autoria já publicados. Sugiro a leitura do mais recente, História do inovacionismo no Brasil: últimos episódios. Para dar uma ideia de seu conteúdo, transcrevo aqui parte da Introdução, e com isso concluo.

A posição que tenho defendido pode ser expressa muito sucintamente em três proposições:

1. Há cerca de 20 anos, no campo das políticas científicas e tecnológicas, tem predominado no Brasil o inovacionismo, isto é, o movimento que postula a produção de inovações como a função primordial da pesquisa científica, entendendo por “inovação” as invenções rentáveis, que podem ser implementadas por empresas, contribuindo para a maximização de seus lucros a curto ou médio prazo.
2. Os resultados das incontáveis iniciativas visando estimular a produção de inovações têm sido um indiscutível fracasso: como demonstra uma série de indicadores, apesar de todas as medidas inovacionistas levadas a cabo, o nível de produção de inovações no país na melhor das hipóteses encontra-se estagnado ou, na hipótese mais realista, tem caído.
3. As causas desse fracasso residem não em deficiências na legislação referente às atividades de pesquisa, ou numa suposta falta de “cultura da inovação” entre empresários e acadêmicos, mas em fatores estruturais: essencialmente o papel de exportador de commodities desempenhado pelo Brasil na divisão internacional do trabalho, com a associada desindustrialização da economia.

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