Nenhum homem é uma ilha”, ensinou o poeta e religioso inglês John Donne, lá se vão alguns séculos. Nenhum homem é uma ilha, ensina agora a realidade travestida de pandemia de covid-19, de quarentena obrigatória, de isolamento. Ironia: a palavra isolamento vem da raiz isola, ilha em italiano, insula, em latim. Ficamos em isolamento, ilhados dentro de casa. Mas nenhum homem é uma ilha. E procuramos formas de passar de um acidente geográfico para outro, para abrirmos istmos, penínsulas, de achar formas de nos aproximarmos, mesmo longe. Arquipélagos cada vez mais próximos, mesmo que temporariamente apartados, até voltar a formar novos continentes.
Porque nenhum homem é uma ilha, e quando o vírus começou a se propagar – não, não era um “resfriado” –, as pessoas, todas elas, tiveram que reinventar formas de aproximação, de carinho, de diminuir o isolamento. Somos seres gregários, precisamos do outro para fazermos sentido. Para a vida fazer sentido. E, latinos, precisamos do toque. Mas não há toque. Sem abraços, sem beijos. O aperto de mão foi substituído, primeiro, pelo improvável toque de cotovelos – istmos de afeto. Depois, por um aceno, até mesmo – da minha parte – pela mão espalmada com dedos separados, em um “vida longa e próspera” vulcano cada vez mais necessário nos dias de hoje. E, aí, o isolamento foi total. Cada um em sua casa, cada um atrás de sua tela de computador ou nas redes sociais do celular. E o que aconteceu? As pessoas descobriram, mais uma vez, que ninguém é uma ilha. Nem pode ser. Muita gente sequer ouviu falar em John Donne, mas seguiu sua lição.
Das sacadas, varandas, janelas, as pessoas criaram pontes, encurtaram distâncias, usaram a humanidade da melhor forma possível. Concertos improvisados aqui, um cântico logo ali, “parabéns para você” de todo um condomínio para aqueles que não tinham companhia para assoprar velas, ginástica em conjunto, mesmo separados. Porque, neste momento, todos importam, tudo importa. Cada mínimo gesto representa que vamos adiante, pelo tempo que for necessário. Solidariedade e companhia. Afeto e atenção. O olhar marejado de quem vê as notícias ainda temíveis pela TV – números substantivos, avassaladores – cria uma liga, um sentimento de ansiedade. Ansiedade com o desconhecido, do que pode vir, do que pode ser. Temos medo do que conhecemos. Mas o que conhecemos agora? O inimigo invisível e sorrateiro, que se esconde no ar, deixa a todos em estado de tensão. E então nos lembramos: nenhum homem é uma ilha.
E dependemos uns dos outros para seguir adiante. Da voz, do contato virtual, do afeto das palavras no lugar daquele explícito, corporal. Agora não. Daqui a pouco.
E aí estão a cantoria, as iniciativas de aproximação possível – istmos, lembram? –, a busca por respostas a perguntas ainda sendo formuladas. Os aeroportos e fronteiras continuam fechados, países inteiros permanecem em quarentena, o planeta está em pânico. Mas cada um, a seu jeito, busca a solução. Por quê? Porque…
“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” (John Donne, Meditações VII).