Dr. Mirra: quarenta anos de história na luta antitabagista

Por Adriana de Souza, Maria do Rosário Latorre e José Maria Pacheco de Souza, professores da Faculdade de Saúde Pública da USP, e outros autores*

 30/03/2022 - Publicado há 2 anos
Antonio Pedro Mirra - Foto: Reprodução Facebook/CBC
Adriana de Souza – Foto: Arquivo pessoal
Maria do Rosário Latorre – Foto: Arquivo pessoal
José Maria Pacheco – Foto: Arquivo pessoal
Sônia Buongermino de Souza – Foto: Arquivo pessoal
Maria Paula Curado – Foto: Arquivo pessoal
Ademar Lopes – Foto: LinkedIn

Faleceu, no final de janeiro, o médico oncologista Antônio Pedro Mirra, que teve a sua trajetória científica relacionada à luta contra o tabagismo. Mirra foi chefe do serviço de Cirurgia Torácica do Hospital A. C. Camargo, o então chamado Hospital do Câncer, e professor titular de Bioestatística e de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina de Taubaté, São Paulo. Desempenhou um papel fundamental como pesquisador voluntário na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), onde desenvolveu estudos e projetos sobre os malefícios e o controle do tabagismo. Coordenou a Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira (AMB) e presidiu a Comissão de Prevenção e Controle do Tabagismo da FSP-USP.

No Hospital A.C. Camargo, foi médico residente (1953-1955), médico assistente do Departamento de Cirurgia (1957-1975) e chefe do Departamento de Cirurgia Torácica (1975-1990). Foi responsável pela formação de residentes de Cancerologia Cirúrgica, diretor clínico e superintendente.

Dr. Mirra participou da 3ª Conferência Mundial do Fumo e Saúde, em junho de 1975, em Nova York, EUA, e do 27º Congresso Internacional de Câncer, realizado em Buenos Aires, Argentina, em outubro de 1978. As discussões ocorridas nesses eventos alicerçaram o Programa Nacional contra o Fumo, lançado em 1979, no Brasil. Devido à notoriedade, esse programa serviu de base a um novo programa de mesmo tema, criado em 1985, pelo Ministério da Saúde.

A FSP-USP tornou-se uma das primeiras instituições públicas do País a ser um “Ambiente Livre do Tabaco”, pela proibição do ato de fumar nas suas dependências internas. Essa conquista foi resultado do empenho de Mirra, então presidente da Comissão Antitabagismo da FSP-USP, e de seus colegas pesquisadores. Em 2003, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo conferiu a láurea de Unidade Livre do Cigarro à FSP-USP.

Em mais uma de suas vitórias, dr. Mirra, com o apoio da direção da FSP-USP e parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, implementou, em 1969, o Registro de Câncer de Base Populacional de São Paulo (RCBP-SP), um sistema de informação em saúde que registra os casos de câncer do município de São Paulo. O RCBP-SP foi coordenado por Mirra de 1969 a 31 de dezembro de 2007.

As primeiras ideias para a criação desses registros de câncer, no Brasil, surgiram em 1956, quando dr. Mirra, por meio de uma bolsa de estudos do governo francês para o Institut Gustave Roussy (Villejuif, França), teve a oportunidade de conhecer os trabalhos que estavam sendo realizados pela Section du Cancer – Institut National d’Hygiène da França (direção do professor P. F. Denoix), com a pesquisa Technique et Fonctionement de l’Enquête Permanente du Cancer, na região de Loir-et-Cher (França). Em 1963, por intermédio de uma parceria com o Departamento de Estatística da FSP-USP, foi criado o Serviço de Registro Geral de Câncer. Esse projeto piloto, que durou três anos, mostrou que havia a possibilidade de se implantar um registro de câncer de base populacional em São Paulo, desde que sob patrocínio oficial. Em 1° de janeiro de 1969, foi estabelecido oficialmente o RCBP-SP, que funciona até os dias atuais na FSP-USP.

Foram diversas as pesquisas ligadas à epidemiologia do câncer das quais dr. Mirra participou, utilizando os dados do RCBP-SP. Dentre elas, citamos as pioneiras, no Brasil: Caso-controle câncer de mama (1965-1968), etnicidade e risco em câncer (1969-1974), câncer em migrantes japoneses (1969-1978) e em italianos, espanhóis e portugueses (1969-1974/1978-1982), caso-controle de câncer de reto e de esôfago (1978-1981) e educação e mortalidade por câncer (1978-1982).

Em 2019, o RCBP-SP completou 50 anos de existência. Para celebrar essa data, a coordenação do Registro promoveu a Primeira Premiação do Selo de Qualidade do Registro de Câncer de SP. O evento agraciou, com selos Ouro, Prata e Menção Honrosa, os hospitais e demais instituições de saúde que entregaram os seus dados adequadamente ao RCBP-SP. Nessa comemoração, dr. Mirra foi homenageado por sua dedicação aos RCBPs do Brasil e por sua luta antitabagista. Também em 2019, recebeu o Prêmio Benedicto Montenegro, na comemoração de 90 anos do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.

Antes da pandemia de covid-19, Mirra, com quase 90 anos de idade, engajou-se na pesquisa sobre cigarros eletrônicos, juntamente com a professora Izabel Bicudo. Segundo dr. Mirra, “a indústria do fumo deixou de lado os adultos, para focar nos mais jovens, que não viveram o ápice da campanha antitabagista”. Para Mirra e seus colegas pesquisadores, esse tema era premente.

Antônio Pedro Mirra dedicou quarenta anos de sua história à luta antitabagista. De espírito aguerrido, obteve sucesso em suas frentes de trabalho, a despeito dos entraves que surgiram, como a falta de financiamento de projetos e programas e as dificuldades criadas pela indústria do tabaco. Mirra foi incansável e deixa um legado valioso à saúde pública.

* Sonia Buongermino de Souza, Maria Paula Curado e Ademar Lopes, professores da Faculdade de Saúde Pública da USP


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