Aventuras e desventuras na comunicação científica

Bruno Gualano é professor associado da USP

 11/12/2017 - Publicado há 6 anos
Bruno Gualano – Foto: Leonor de Calasans / IEA

 

A falta de popularidade do discurso do cientista não chega a ser uma surpresa. Repleta de jargões e ritualidades, nossa linguagem afugenta o interlocutor e o convida a buscar explicações mais “palatáveis” e resolutivas para seus problemas cotidianos. Afinal, como ensina o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, os limites da linguagem são os limites do próprio mundo; se a ciência é ininteligível para o indivíduo, é de se esperar que, para este, ela nada represente.

Por muito tempo, acreditei que os ciclos do meu trabalho como pesquisador se iniciavam com a concepção de um projeto e se encerravam com a publicação de um artigo científico em revista especializada. Isso até perceber que a publicação, por mais academicamente respeitável que fosse, atingia um número ínfimo de pessoas – geralmente outros pesquisadores de áreas correlatas à minha. Evidentemente, esse não é o desfecho imaginado pela sociedade que investe em ciência e aguarda por seus dividendos.

De fato, temos sido competentes em espalhar a mensagem de que a ciência será fundamental para o crescimento do País, porém nem tanto em explicar como isso ocorrerá. Em tempos de crise, reclamar mais repasse de verba para ciência não basta; esforços necessitam ser envidados na tentativa de comunicar à sociedade – numa linguagem acessível e com exemplos práticos – como o investimento na ciência se traduz em resultados que impactam (ou que, um dia, poderão impactar) a vida das pessoas e o mundo em que vivemos, seja pelo prisma biológico, físico-natural ou sociocultural.

 

Papel da comunicação científica de massa na amplificação da transmissão de conhecimento da academia à sociedade

 

Por além dos excelentes – porém insuficientes – portais de divulgação científica em massa, como, por exemplo, a Agência Fapesp e o Jornal da USP, torna-se premente que cada pesquisador também dispenda parte de seu precioso tempo para comunicar ciência, e é sobre esse tema o principal enfoque deste artigo. Inegavelmente, o maior engajamento pessoal do cientista em ações de divulgação de conhecimento poderia jogar luz no obscurantismo que frequentemente cerca temas sociais de relevo, tais como a mudança climática, a vacinação infantil e, num exemplo mais caseiro, a famigerada “pílula do câncer”, que tanto mal fez à imagem da ciência brasileira.

Em 2014, com o objetivo de descortinar as diversas aplicações dos estudos realizados pelos cientistas no dia a dia das pessoas – por vezes mascaradas por trás de uma linguagem impenetrável –, decidimos criar um blog de divulgação científica chamado Ciência Informa (http://www5.usp.br/90759/pesquisadores-da-eefe-criam-blog-sobre-exercicio-nutricao-e-saude/), em parceria com quatro colegas acadêmicos.

Com recursos escassos – posto que pessoais –, temos apostado num modelo de divulgação informal, com a produção de vídeos “caseiros” – feitos em nossas próprias salas de trabalho – e textos práticos. Com efeito, esse material tem sido importante não somente por levar o conhecimento acadêmico para além dos muros da Universidade, mas também por complementar o estudo dos nossos alunos de graduação, para a maioria dos quais os artigos técnicos ainda são pouco convidativos.

Não menos importante tem sido o impacto científico gerado pela nossa ação de comunicação. Um exemplo notório deu-se recentemente com a publicação de um de nossos artigos técnicos, cujos achados principais foram divulgados pelo nosso canal (http://www.cienciainforma.com.br/post.php?id=296). Essa ação impulsionou sobremaneira a visibilidade do estudo e atraiu a atenção de um grande número de profissionais e interessados no tema, reverberada nos expressivos números de penetrabilidade do artigo determinados pelo Altmetric (https://www.altmetric.com/details/20049014), uma métrica alternativa de impacto que também leva em conta citação em jornais e revistas não especializados, blogs e mídias sociais (ex.: Twitter, Facebook). Tendo em vista que agências de fomento em todo o mundo têm considerado o uso dessas novas métricas na avaliação de desempenho de pesquisadores (para mais informações, ver http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/12/16/impacto-alem-da-academia/), é de se esperar que um bom projeto de comunicação científica também contribua para a atração de recursos.

Potencial da comunicação científica de massa na divulgação de resultados científicos. Extraído de Altmetrics em 5/12/2017

Mas o convencimento do pesquisador acerca da necessidade de comunicar é apenas o primeiro passo; há de se desenvolver a habilidade de comunicar. E, convenhamos, temos falhado bastante nesse tocante. Em geral, dois são os erros comuns que precisam ser evitados na comunicação científica: em primeiro lugar, as pessoas parecem cada vez mais descontentes com os discursos doutrinários. Comunicação científica não se confunde com proselitismo. Informar em vez de amestrar parece ser sempre o melhor caminho; a decisão do que se faz com a informação pertence ao indivíduo. Em segundo lugar, a comunicação científica é via de mão-dupla. Num recente editorial a propósito do tema, a profa. Louis Burke recomendou ao postulante a comunicador científico “jamais ler os comentários (dos seguidores)”. Com todo o respeito à minha colega australiana, não poderia discordar mais. Ainda que alguns se mostrem demasiadamente ofensivos na forma de expressarem seus pontos de vista – conhecidos como trollers ou haters no ambiente virtual –, é tão somente a partir do feedback de quem nos acompanha que podemos amoldar a forma e o conteúdo do discurso à audiência, o que, às vezes, requer tempo e flexibilidade do comunicador. Ademais – e que me perdoem os positivistas mais exasperados –, é de se assinalar que as pessoas não são receptáculos vazios a serem preenchidos por informações científicas; opiniões pessoais e profissionais, construídas com base na experiência, ainda que divirjam em algum aspecto do consenso científico, podem servir de valiosa reflexão ao cientista, que, muitas vezes, dentro do laboratório, se distancia do mundo real. Outras dicas aos interessados em se aventurarem na comunicação científica podem ser encontradas no quadro abaixo.

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Dez dicas para o postulante a comunicador científico

1)     Participe de mídia sociais, crie um blog científico e divulgue para seus colegas especialistas e não especialistas.
2)     Reserve um tempo para produzir material (texto ou vídeo) informativo, com linguagem clara e descontraída. Não se preocupe com grandes investimentos em edição; na verdade, o caráter amador pode trazer um charme extra ao projeto.
3)     Interaja com os seguidores na busca por feedbacks. Aceite sugestões de temas e respeite opiniões divergentes. Evite gastar tempo com os haters; nada que você disser mudará a opinião deles.
4)     Publique sobre os avanços trazidos pelo seu próprio grupo de pesquisa. Nem tudo é rocket science, mas ainda assim pode trazer pequenos impactos à vida das pessoas e a sua percepção do mundo.
5)     Invista em técnicas pedagógicas variadas. O emprego de simplificações gráficas, exemplos práticos e mensagens centrais (take-home messages) costumam funcionar. Lembre-se da célebre frase atribuída a Albert Einstein: “Se você não consegue explicar de forma simples é porque não entendeu bem o suficiente”.
6)     Evite conflitos pessoais com outros pesquisadores e, sobretudo, celebridades da mídia social. Há espaço e público para todos.
7)     Não faça sensacionalismo científico para conquistar novos seguidores. Faz parte do nosso trabalho informar as pessoas que a ciência de qualidade é lenta, refutável e não definitiva.
8)     Preferencialmente, mantenha-se independente da indústria e de outros potenciais geradores de conflito de interesse. Caso haja algum patrocínio, declare-o explicitamente. Isso ajudará na idoneidade do seu projeto.
9)     Conecte-se com outros pesquisadores-comunicadores que possam mutuamente colaborar na disseminação dos projetos e inspire-se em experiências bem-sucedidas. Café na Bancada, Nerdologia e Blog do MM são iniciativas idealizadas por membros da comunidade USP que servem de modelo.
10)  Divulgue seus feitos científicos mais importantes através dos canais de comunicação institucional.

Ao contrário do que muitos cientistas imaginam, 70% das pessoas reputam importante o conhecimento sobre ciência e cerca de 95% dos profissionais acreditam que as mídias sociais têm um papel importante na disseminação científica. Ao que parece, as pessoas são ávidas por ouvir o que a ciência tem a dizer; resta ao cientista despir-se do jaleco – e com ele, dos seus rituais pouco populares – e atender a esse chamado.

A produção de um canal de comunicação científica constitui, pois, importante iniciativa social, pedagógica e científica que deverá ser incorporada e valorizada na universidade moderna. Num plano mais amplo, a comunicação científica torna-se uma questão de sobrevivência à tão sucateada ciência brasileira, que, permanecendo apartada da sociedade, tende a ver seus justos pleitos minguarem.

 

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