Apesar das movimentações e protestos dos movimentos de moradia, de urbanistas e de especialistas, as áreas de influência dos EETU foram ampliadas de 600 para 700 metros no raio de estações de metrô e de 150 para 400 metros ao longo dos eixos dos corredores de ônibus, que, ainda assim, poderão elevar o território da cidade a ser adensado e verticalizado em cerca de 150%.
O conceito de maior adensamento construtivo e populacional no entorno dos eixos de mobilidade e transportes é adotado mundialmente pelas médias e grandes cidades, e vem sendo gradualmente adotado no Brasil desde 1965, no Plano Diretor de Curitiba inicial, de autoria do urbanista Jorge Wilheim, que o adotou também em São Paulo no Plano Diretor Estratégico de 2002. Posteriormente, o conceito teve sua aplicação radicalizada no Plano Diretor Estratégico de São Paulo em 2014, o qual foi objeto da atual revisão agora, em 2023.
É importante ressaltar que, apesar das muitas demandas da sociedade civil para alteração dos territórios afetados pelos Eixos, a prefeitura retirou do escopo da revisão promovida pelo Executivo esse tema, negando todos os pedidos realizados pela sociedade civil. Numa contradição sem precedentes para um processo participativo minimamente sério, o tema virou o principal objeto da revisão do PDE no âmbito da Câmara Municipal, e continuando a não atender todos os pedidos de alteração de limites específicos realizados pela sociedade civil, sob o mesmo pretexto de discuti-los na futura revisão da lei de zoneamento ainda em 2023.
Outro conceito urbanístico associado ao adensamento junto aos eixos de transporte é o conceito de cidade para as pessoas, mediante incentivo ao transporte de massas e o desincentivo ao uso do carro e do transporte individual para deixar a cidade mais sustentável e menos poluída e com mais espaços destinados ao transporte ativo, com as ciclovias e o pedestrianismo.
O conflito vem ocorrendo desde o PDE 2014 pela maneira que a delimitação dos EETU foi realizada e começou a ser aplicada. A ampliação do território verticalizável foi realizada sem estudos prévios e vem causando um desequilíbrio absurdo na economia da cidade, bem como a ampliação dos riscos e impactos sociais, ambientais e climáticos que esse projeto poderá causar para a cidade de São Paulo.
A ampliação das áreas destinadas à verticalização e adensamento foi implantada sem que nenhum estudo de impacto urbano ou ambiental, econômico ou de capacidade de suporte dos sistemas de transporte tenha sido realizado para justificar e calibrar essa proposta. A ausência desses estudos e a imposição da ampliação dos limites dos EETU foram novamente colocadas como foco dessa revisão, mas, novamente, sem considerar os grandes impactos ambientais em curso na maioria dos bairros e subprefeituras, como Pinheiros, Vila Mariana, Perdizes, Butantã, Belém, Tatuapé, Santana e outros.
Nos EETU poderão também ser aumentados o número de garagens permitidas nos imóveis e o tamanho das unidades, anteriormente limitado a 80m² mediante pagamento de outorga onerosa para construir acima em até quatro vezes, mas chegando a até oito ou nove vezes com aplicação de outros condicionantes. Entre muitas outras questões, estes aspectos desmontam completamente o modelo urbanístico proposto no PDE 2014, de redução do uso do carro e privilegiar a oferta de moradias para as classes de renda mais necessitadas junto a esses eixos de mobilidade.
Entre as questões que foram reiteradamente colocadas pelos vários setores representativos, ressalta-se o impacto urbano ambiental causado pelos Eixos de Estruturação Urbana na configuração atual original dos bairros e no meio ambiente, gerando impactos negativos nos aspectos sociais, expulsando populações e afastando comércios tradicionais (gentrificação), com impactos ambientais nas drenagens e na impermeabilização do solo e, em consequência, com o aumento da vulnerabilidade aos riscos climáticos nos vários bairros das Subprefeituras da cidade, que foram explicitados pelas Associações de Bairros de Perdizes, Bela Vista, Pinheiros, Vila Mariana, Jardins e Consolação, entre outras, e pelos movimentos sociais e ambientais da cidade.
A ausência de estudos ambientais e de capacidade suporte requeridos pelo Estatuto da Cidade e Constituição Federal de 1988 ocorre desde a criação dos EETU no PDE 2014, passando pelo PL da Revisão apresentado pelo Executivo, e agora foi escancarado no substitutivo apresentado pelo relator, ou seja, a ampliação da área de verticalização ocorreu para privilegiar o atendimento aos interesses imobiliários para novas ofertas imobiliárias, sem analisar os efeitos sobre os demais objetivos do PDE, de gerar moradia, transporte e proteger o meio ambiente, e sem avaliar os riscos climáticos e impactos ambientais decorrentes dessa grande permissão à verticalização na cidade.
A própria ampliação do uso de garagens, anteriormente limitadas a uma vaga por apartamento nos EETU, mediante simples pagamento adicional, poderá causar mais impacto no sistema viário, vai na direção contrária ao desestímulo ao uso do carro e poderá causar a geração de aumento no tráfego, engarrafamento, poluição do ar e a geração de emissões de gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global e as mudanças climáticas extremas.
Além da polêmica expansão dos Eixos de Estruturação Urbana e sem a apresentação de nenhum estudo de capacidade suporte ou de estudo de impacto ambiental, observamos que as áreas do Arco do Tietê, situadas na várzea do Rio Tietê e do Arco no entorno do Rio Pinheiros, também serão tratadas como eixos destinados ao mesmo grau de verticalização pelo projeto até 2024, com adensamento com até quatro vezes a área dos terrenos e sem limites de gabarito.
Os riscos decorrentes do aumento das chuvas e inundações prognosticadas pelas mudanças climáticas, que, a exemplo do ocorrido no bairro de Moema em março de 2023, encontram a cidade frágil, pouco resiliente, em especial com seríssimas deficiências na drenagem e na permeabilidade urbana, e nos sistemas de transporte, e despreparada para enfrentar a emergência climática, e os impactos decorrentes desses eventos. Uma senhora morreu presa no seu próprio carro devido à inundação em Moema, além das perdas materiais.
A revisão do Plano Diretor aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito não avançou para enfrentar os gravíssimos problemas sociais, ambientais e climáticos que a cidade enfrenta e enfrentará e é ilegítima por não representar minimamente a vontade da população da cidade, uma vez que os processos de consulta não atenderam ao exigido pelo Estatuto da Cidade e pelas regras constitucionais, sobre a democracia participativa, uma vez que as demandas específicas de redução dos eixos realizadas pelas representações de vários bairros foram absolutamente desconsideradas.
E todo esse debate de verticalização ocorre sem ampliar a oferta do transporte coletivo em São Paulo, que demanda maiores investimentos em linhas de metrô e corredores de ônibus, que sempre receberam pouco incentivo desde os anos 1970 até os dias atuais, e estão muito atrás das quantidades disponibilizadas nas grandes cidades mundiais. As metas de implantação de novos corredores de ônibus não foram cumpridas e não receberam os recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) presente no PDE, e há ainda pouco incentivo ao transporte coletivo, especialmente nesta revisão do Plano, e isto se deve ainda ao privilégio dado ao uso do carro e dos veículos movidos a combustíveis fósseis. Por exemplo, o prefeito inseriu a possibilidade de utilizar os recursos do Fundurb para o recapeamento de vias que são focados em uso de carros e transportes com caminhões e ônibus a diesel.
A influência de qualquer plano diretor para a melhoria da mobilidade nas grandes cidades é enorme, para isso basta ver a importância dada à verticalização dada no entorno desses eixos, mas falta vontade política, planejamento e recursos para novas linhas de metrô e para corredores de ônibus. Esses sistemas deveriam ser um dos pilares do planejamento urbano moderno, considerando de forma integrada as necessidades de mobilidade e do grau de verticalização possível no entorno das infraestruturas de transportes.
Ao lado dos eixos de infraestrutura verde e azul e da necessidade de descentralização da gestão urbana no interior das cidades, os sistemas de transportes urbanos são fundamentais para redução de viagens e aumento de economias e empregos nos bairros. São Paulo tem 32 subprefeituras, algumas delas com mais de 600 mil habitantes, porém sem atividades econômicas e sem transportes e com insuficiência de eixos de mobilidade. Para exemplificar, a zona sul de São Paulo, uma das mais populosas da cidade, apresenta um funil para sua conexão para acessar as demais regiões da cidade devido à insuficiência de infraestrutura viária e de sistema de transportes. Bastou uma parada de energia no sistema de trens existente para a única linha que interliga a zona sul com o centro da cidade no final de junho de 2023, para que cerca de três milhões de pessoas não chegassem a seus empregos, majoritariamente situados no centro expandido. O mesmo ocorre com a única linha de metrô (linha 5) que vai somente até barros intermediários da zona sul.
E tudo isso ocorre apesar de haver diretrizes socioambientais muito avançadas no PDE 2014 de São Paulo. Mas, pela ausência de compromissos públicos de governo e de metas articuladas e mensuráveis, as diretrizes de habitação, meio ambiente, resiliência e adaptação climática, territórios de interesse cultural, descentralização da gestão municipal e elaboração de planos de bairro por subprefeituras acabaram não sendo aplicadas com o mesmo interesse e atenção nesses quase dez anos de aplicação do PDE, e a prioridade tem sido dada às políticas de produção de produtos dirigidos à classes de média e de alta renda de interesse para o mercado imobiliário e financeiro nacional e global.
Particularmente, os excessos de verticalização concedidos no entorno dos sistemas de transporte de massa e de mobilidade, sem estudos de capacidade de transporte com o uso de modelagens considerando o transporte e uso do solo, conhecidas entre os especialistas, podem causar sobrecargas nos eixos de mobilidade, e por outro lado a ampliação das vagas de garagens nos apartamentos e unidades nos eixos de transporte prejudica o modelo de redução e desestímulo ao uso do carro na cidade.
Esses excessos poderão gerar deseconomias e externalidades negativas, pela falta de estudos ambientais voltados a ampliar a resiliência para diminuir a vulnerabilidade, garantir maior permeabilidade e drenagens dimensionadas adequadamente, entre outras questões. Outro aspecto importante é a compatibilidade da verticalização com a capacidade suporte dos sistemas de transportes. Todos estes aspectos colocam em risco a sustentabilidade ambiental e climática da cidade, e não trazem de fato os benefícios sociais que são os objetivos originais do Plano Diretor Estratégico.
O objetivo central de ampliar a produção de unidades de habitação popular junto aos eixos de mobilidade, que era a justificativa à verticalização, foi subvertido no estímulo a imóveis de alto padrão que atendem aos objetivos do mercado imobiliário e financeiro internacional. Essas disfunções e distorções foram diagnosticadas pelas próprias áreas técnicas da prefeitura e por instituições de pesquisa como o Laboratório de Cidades da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Essas distorções ocorreram entre 2014 e 2023, em especial nestes lugares privilegiados do ponto de vista da presença de sistemas de mobilidade urbana e de autorização para verticalização. Não há sinais de que essas distorções tenham sido eliminadas pela revisão do Plano Diretor Estratégico, que infelizmente reforçou especialmente os aspectos negativos e a serem corrigidos.
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