A saga do projeto petrolífero na Amazônia equatoriana: desafios ambientais e seus ecos para o Brasil

Por Elaine Santos, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

 16/06/2023 - Publicado há 2 anos

A saga da Iniciativa Yasuní ITT, que se desenrola desde 2007 e envolve a exploração petrolífera na Amazônia equatoriana, ainda não terminou e pode nos revelar importantes questões sobre a relação entre conservação ambiental e as necessidades econômicas. No entanto, essa discussão tem ecoado pouco no Brasil, onde nossa compreensão dos países latino-americanos é limitada, restringindo-se às redes sociais ou a artigos de jornal que apenas destacam eventos como eleições, crises e golpes. Também nos estudos acadêmicos brasileiros é comum observarmos uma certa tendência à introversão, e quando olhamos para fora nosso foco se limita aos países desenvolvidos, reproduzindo análises históricas e políticas que reforçam uma mentalidade colonial.

Em 2008, o Equador aprovou, por meio de um referendo popular, uma Constituição bastante progressista que reconheceu a natureza como sujeito de direitos e adotou o princípio do buen vivir (bem viver). Essa Constituição é considerada uma das mais avançadas em relação às questões ambientais, buscando evitar o esgotamento da natureza por meio de um equilíbrio entre as dimensões social, econômica e ambiental. Além disso, a Constituição de 2008 promoveu mudanças políticas significativas, como a limitação dos mandatos presidenciais a dois períodos consecutivos, a criação de mecanismos de participação cidadã, como as consultas populares, e a garantia da autonomia dos governos locais e das nacionalidades indígenas, consolidando um Estado plurinacional.

Nesse contexto, o Equador, um país dependente do petróleo, deu um passo aparentemente pioneiro em direção a um desenvolvimento pós-petróleo ao lançar a Iniciativa Yasuní ITT (campos petrolíferos de Ishpingo, Tiputini e Tambococha). Essa iniciativa pretendia não explorar o petróleo neste parque, localizado na Amazônia equatoriana e reconhecido como reserva da biosfera pela Unesco em 1989, desde que os países desenvolvidos pagassem uma compensação.

Essa iniciativa surgiu como resposta coletiva à forma extremamente predatória com que a extração de petróleo havia sido conduzida no país nas décadas anteriores, especialmente pela empresa Chevron Texaco, resultando em abusos e danos ambientais. Esse processo deixou marcas e tornou-se alvo de disputa jurídica internacional, que ainda não foi solucionada mesmo após mais de 26 anos. Essas disputas cristalizaram-se na sociedade civil, especialmente entre aqueles historicamente afetados pela exploração petrolífera, criando um movimento em favor da moratória petrolífera que embasava a Iniciativa Yasuní ITT.

Desta forma, a Iniciativa Yasuní ITT buscava evitar a exploração do petróleo amazônico, alinhando-se com o marco constitucional de 2008, que visava à proteção ambiental e à redução da emissão de poluentes na atmosfera. No entanto, a não extração dos 920 milhões de barris de petróleo representaria uma perda significativa de aproximadamente US$ 7 bilhões para um país economicamente dependente do petróleo.

Ao não explorar petróleo neste bloco localizado no Parque Yasuní, o governo equatoriano esperava receber contribuições financeiras dos países desenvolvidos como compensação pela não emissão de gases do efeito estufa (GEE). Contudo, as metas de US$ 3,6 bilhões que deveriam ser doadas até 2022 não foram alcançadas, e a iniciativa fracassou em 2013.

Em 2013, diante das dificuldades, o governo equatoriano anunciou a suspensão formal da proposta Yasuní ITT e algum tempo depois deu início à exploração de petróleo no Bloco ITT. Essa decisão gerou intensas críticas e levou a um movimento popular para a realização de um plebiscito sobre as atividades petrolíferas na Amazônia equatoriana. No entanto, a coleta de assinaturas necessárias para a realização do plebiscito enfrentou diversos obstáculos, com restrições rigorosas impostas pelo governo ao processo, alegando irregularidades nas assinaturas apresentadas pelo movimento chamado Yasunidos, que recorreu à justiça. Passados dez anos do encerramento da Iniciativa Yasuní ITT, em maio de 2023, a Corte Constitucional equatoriana aprovou a realização da consulta popular, permitindo que a população equatoriana decida sobre a exploração petrolífera no Bloco 43.

Embora a Iniciativa Yasuní ITT não tenha sido totalmente bem-sucedida, ela trouxe à tona questões cruciais sobre a dependência dos recursos naturais na América Latina e o comprometimento insuficiente dos países desenvolvidos em contribuir para a preservação ambiental da Amazônia.

Assim, podemos dizer que o projeto Yasuní ITT representou um avanço do Equador ao se colocar frente a uma tentativa de desenvolvimento pós-petróleo, inspirando-se no princípio comum da corresponsabilização em nome da proteção ambiental. No entanto, também evidenciou as limitações inerentes aos países dependentes, nos quais, mesmo com uma Constituição bastante avançada em relação à questão ambiental, o país não conseguiu trilhar um caminho além da dependência do petróleo.

Após todos esses processos que tentei resumir neste texto, nos próximos meses será realizada uma consulta popular que deveria ter sido realizada em 2013, na qual a população equatoriana poderá se posicionar nas urnas sobre o tema da exploração petrolífera no Yasuní. Do Brasil, acompanharemos atentamente esse processo para compreender como a população está pensando a extração de seus recursos naturais e quais lições podemos tirar dessa experiência.

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