Os problemas do Programa de Repatriação do CNPq

Por Carlos Takeshi Hotta, professor do Instituto de Química da USP

 Publicado: 17/04/2024

A julgar pela reação nas redes sociais, o Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil, anunciado neste ano pelo CNPq, foi muito mal-recebido pela comunidade científica brasileira. O governo federal espera, com este programa, repatriar mil pesquisadores brasileiros ao custo de R$ 1 bilhão investidos em cinco anos. Cada pesquisador repatriado receberá uma bolsa de R$ 10 mil a R$13 mil por cinco anos, até R$ 400 mil em recursos de capital e custeio, até R$ 120 mil para participação em eventos ou visitas a centros de excelência no exterior, além de auxílio-instalação, recursos para plano de saúde e auxílio previdência.

Os objetivos do programa são nobres. A repatriação de cientistas no exterior é uma forma de se atacar o problema da fuga de cérebros. Os benefícios dados aos pesquisadores contemplados são excelentes, seria ótimo se os demais programas do CNPq seguissem tal modelo. Então, se o programa tem bons objetivos e oferece bons benefícios, por que foi considerado um desastre?

O primeiro motivo é o foco. Uma das razões da fuga de cérebros é a falta de oportunidades oferecidas a jovens pesquisadores no país. Não há um programa remotamente parecido com o Conhecimento Brasil que seja oferecido aos jovens doutores, que não conseguem vagas nas universidades públicas nem bolsas de pós-doutorado. Para fins de comparação, os jovens pesquisadores que tiveram o privilégio de ser contratados deveriam se juntar em grupos de no mínimo três para requisitar R$ 16,5 mil por pesquisador, na Chamada Universal para Grupos Emergentes, que teve um custo total de R$ 120 milhões. Ou seja, focar tanto recurso nos pesquisadores brasileiros que estão no exterior enquanto os que estão no país se encontram precarizados é um contrassenso. É inclusive interpretado por alguns como um incentivo para ir ao exterior.

O segundo motivo é a estratégia. O programa anunciado prevê benefícios aos pesquisadores repatriados por cinco anos. O que acontecerá depois? Há previsão de novos concursos para que esses pesquisadores sejam absorvidos pelas instituições brasileiras ou eles acabarão voltando para o exterior? Editais para este programa serão abertos anualmente, ou será apenas uma vez? Talvez esse dinheiro seria mais bem aproveitado se fosse distribuído ao longo de 10 anos? Será que R$ 200 milhões anuais não poderiam ser gastos de forma mais eficaz em talentos que estão em solo nacional?

O terceiro motivo é o timing. O anúncio do programa coincide com a mobilização de servidores e docentes de diversas universidades federais em torno de uma greve que pede melhores salários e melhores condições de trabalho e pesquisa. É claro que o anúncio de um programa bilionário que beneficia pesquisadores que não estão nestas universidades será ferozmente criticado. O sentimento de desamparo dos grevistas amplifica a indignação com os problemas supracitados. Uma falta de senso político, inclusive, parece ser uma marca da atual gestão do ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, que já teve falas atrozes contra mães pesquisadoras.

Pessoalmente, creio que é sim necessário ter estratégias para repatriar pesquisadores brasileiros. Porém, não é um programa pontual que vai garantir isso. Precisamos de um sistema mais robusto de financiamento da Ciência brasileira, da abertura de mais concursos, de concursos que sejam mais conscientes com pesquisadores que estão em outros Estados e outros países e, obviamente, salários mais atrativos. Não é um programa que vai trazer estes pesquisadores de volta ao país, é uma política inteira. É só observar o que aconteceu nos governos Lula 1 e Lula 2. Já o programa Conhecimento Brasil deveria ser repensado para incluir recém doutores que estão presentes no Brasil. Assim, ele ficaria mais parecido com o Auxílio à Pesquisa Jovem Pesquisador da Fapesp e serviria tanto para repatriar pesquisadores no exterior quanto para reter talentos no país.

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