Decisão do STF garante atendimento aos serviços do SUS para pessoas trans e travestis

Fernando Shecaira comenta a decisão que exige a garantia de acesso aos serviços públicos de saúde segundo o gênero com o qual a pessoa se identifica

 Publicado: 16/07/2024
A burocracia e dificuldade de acesso foram grandes barreiras para a integração de pessoas trans no SUS, mas a expectativa é que se dê um passo à frente – Fotomontagem Jornal da USP com imagens de: Monica Helms/Wikimedia Commons/Domínio Público; Valter Campanato/Agência Brasil
Logo da Rádio USP

O Supremo Tribunal Federal formou recentemente maioria para determinar que o governo garanta direitos das pessoas trans no Sistema Único de Saúde (SUS). Eles decidiram que o Ministério da Saúde adote as providências necessárias para garantir o acesso aos serviços de saúde para pessoas transexuais e travestis levando em consideração o gênero com o qual a pessoa ser identifica.

Fernando Shecaira, doutorando e pesquisador da Faculdade de Direito da USP, conta que desde 2018 as pessoas trans têm direito a adotar o nome com a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica no RG e registro civil. Por outro lado, ainda há muitos entraves.

O que muda

Fernando Shecaira – Foto: CV Lattes

O procedimento para marcação de consultas que atendam também às especificidades do gênero tendem a ser simplificadas. A burocracia e dificuldade de acesso foram grandes barreiras para a integração de pessoas trans no SUS, mas a expectativa é que se dê um passo à frente. Para marcar uma consulta em São Paulo, capital, o pesquisador explica: “Você vai até a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da sua residência – existe uma lista na Prefeitura que vai definir qual é a sua UBS – e você vai abrir o seu prontuário. Aberto o seu prontuário, irá passar por uma consulta com o generalista e eles vão te orientar a baixar um aplicativo chamado Agenda Fácil. Pelo aplicativo, pelo menos na capital, você consegue marcar consultas com as especialidades que são liberadas para você”.

Na teoria, a decisão reforça também o tratamento obrigatório dos profissionais de saúde pelo gênero que o paciente deseja ser tratado. Desde 2014 há este imperativo, mas Shecaira ressalta que muitas vezes ele não é seguido. Ele conta um caso com o qual se deparou em que uma mulher travesti que tinha dor renal afirmou preferir sentir a dor nos rins a ir até uma UBS e ser tratada pelo gênero masculino.

O pesquisador diz que as diretrizes do sistema são boas, tendo havido grandes melhorias na última década; o que falta é a prática. “É uma falta de treinamento das pessoas do SUS, ou uma falta de sensibilidade e que acaba fazendo com que os próprios profissionais do sistema de saúde não tratem pelo nome pelo qual você quer ser chamado ou pelo gênero correto”, afirma ele. “Se uma pessoa às vezes prefere aguentar a dor nos rins a ir ao SUS, imagina se ela vai querer passar pela burocracia do Poder Judiciário”, complementa ele com relação à simplificação do sistema.

Acesso financeiro

Sobre o acesso das pessoas trans para além do sistema de saúde, Schecaira também comenta o que precisa mudar para garantir a democratização da identificação de gênero. Segundo ele, já está prevista a mudança de nome e de documentos oficiais segundo o nome social e gênero adequado, mas é um procedimento caro.

Os registros são todos feitos em cartórios e, para completar a burocracia, é “preciso levantar uma vasta documentação, muitas vezes uma documentação que é difícil de conseguir. E algumas dessas certidões são pagas, e muitas vezes as pessoas trans e travestis, que já não têm muito acesso ao mercado de trabalho, acabam não tendo dinheiro para pagar pelas certidões e conseguir o andamento”, explica Shecaira.

O pesquisador finaliza dizendo que o problema do sistema de saúde é também um problema da sociedade brasileira. De acordo com ele, é preciso acreditar mais na ciência e nos organismos internacionais e evoluir enquanto pensamento coletivo. No SUS, especificamente, é necessário melhor treinamento dos especialistas, de modo a garantir um atendimento profissional que esteja conforme os parâmetros dos direitos sociais. “O que pode ser feito é políticas públicas exatamente para tentar conscientizar a população dessas diferenças de gênero e consequentemente tentar naturalizar isso para que os profissionais, que às vezes não estejam interessados em mudar e evoluir, passem a ser obrigados a isso até pelo próprio atendimento que a população vai exigir deles”, diz ele.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira


Jornal da USP no Ar 
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular. 


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.