“Boom” imobiliário diminui a qualidade de vida na cidade de São Paulo

Raquel Rolnik faz críticas ao plano diretor da cidade, que incentivou a construção de prédios próximos a áreas de transporte; já Paulo Saldiva chama a atenção para o fator qualidade de vida e saúde, ignorado pelos sucessivos planos

 16/02/2024 - Publicado há 3 meses
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A verticalização acabou destruindo bairros inteiros em áreas de altíssima declividade, acabando com áreas verdes – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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São Paulo passa por um boom imobiliário. É possível ver prédios subirem em diversos bairros, principalmente próximos ao metrô. A sensação é de que a cidade está ficando fechada, sufocada pelos grandes empreendimentos. Ranking da Consultoria e Urban System, divulgado na revista Exame, destaca que a capital foi apontada como a melhor cidade para fazer negócios no setor imobiliário.

Raquel Rolnik – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A professora Raquel Rolnik, urbanista da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, explica o que está acontecendo: “Para quem está impressionadíssimo com a quantidade de prédios subindo, a gente teve um plano diretor que incentivou a construção de prédios muito próximos às áreas de metrô e transporte de alta capacidade.”

Segundo a urbanista, a ideia inicial era de que esses lugares pudessem receber mais gente morando nesses imóveis utilizando o sistema de transporte coletivo, deixando de usar o carro. No entanto, mudanças na própria regulamentação do plano diretor nos zoneamentos, após sua aprovação, em 2014, e pela combinação perversa desses dois elementos mais a política de regulação urbanística, a produção não foi exatamente de moradias populares, sem garagem, para usuários de transporte coletivo. “O que surgiu foram alguns tipos de produtos, do tipo estúdio, para aluguel temporário, tipologias de uso do espaço que não necessariamente são moradia permanente, além, é claro, de edifícios de renda alta, com muitas garagens.”

Plano Diretor aprovado, a ideia é que cinco anos depois fosse feita uma revisão para avaliar se esses mecanismos estavam funcionando ou não, para corrigi-los, mas não foi o que aconteceu. Por causa da pandemia, isso não foi realizado e a situação saiu do controle, como explica a urbanista. “ Em 2022, foi aprovada na Câmara uma revisão desse plano diretor. E aí o que aconteceu? Nesse momento, ao invés de se tentar corrigir alguns efeitos perversos, porque, enfim, essa verticalização acabou destruindo bairros inteiros, ela acabou acontecendo em áreas de altíssima declividade, acabando com áreas verdes, piorando a condição de determinados bairros e, ao invés disso ser corrigido, na verdade, a Câmara Municipal aumentou ainda mais a área que poderia ser verticalizada. Agora, no zoneamento, que acabou de ser aprovado em final de dezembro, isso vai aumentar muito mais, a menos que o prefeito vete aquilo que foi aprovado”.

Qualidade de vida e saúde

Paulo Saldiva – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da USP, destaca que uma das coisas que deveria orientar a elaboração de um plano diretor é a qualidade de vida e a saúde humana, mas isso raramente tem sido considerado pelos planos diretores da cidade de São Paulo nas suas atualizações.

“O crescimento desordenado das habitações  não tem levado ao adensamento populacional, mas sim  a um incentivo do transporte individual. O incentivo do transporte individual torna, digamos, a cidade menos inclusiva, deslocando as pessoas de menor renda do seu trabalho. Isso tem como consequências alterações da ilha de calor urbana, ou seja, o adensamento dos prédios. Tem feito as pessoas perderem tempo das suas vidas em congestionamentos intermináveis, expõe somente a população de baixa renda a níveis muito elevados de poluição, porque elas permanecem presas no tráfego durante muito mais tempo. Leva ao sedentarismo compulsório, pois não nos exercitamos quando presos em algum local, respirando poluentes, esperando um transporte que nunca chega. Mas ainda perdemos tempo das nossas vidas, tempos que podíamos, por exemplo, estar investindo em descanso, em relações afetivas e pessoais, inclusive na nossa própria formação”, conclui.


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