Biolarvicidas podem ser alternativa no combate à malária

No Acre, USP testa formas de eliminar larvas do mosquito vetor da doença em tanques de criação de peixes

 27/07/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 08/08/2018 as 17:08
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Larvas do mosquito Anopheles, transmissor da malária, estão sendo capturadas em tanques de peixes da Vila Assis Brasil, em Cruzeiro do Sul, no Acre  – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 

Numa vila entre Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul (Acre), tanques de peixes são foco de criação de larvas de Anopheles, mosquito que transmite os parasitos causadores da malária: Plasmodium vivax e o Plasmodium falciparum. No próximo mês de setembro, pesquisadores da USP começam os testes de controle da doença com o uso de biolarvicidas, substâncias capazes de matar larvas de mosquitos sem causar danos ao meio ambiente. Os trabalhos estão sendo realizados pelo pós-doutorando Pablo Fontoura, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. A ideia do projeto é criar alternativas para o controle da doença na região.

O biolarvicida será aplicado em 150 tanques localizados na Vila Assis Brasil, em Cruzeiro do Sul. No local, moram 1.204 pessoas. Em 2017, a malária atingiu muitos moradores, sendo que alguns tiveram a doença mais de uma vez: foram registrados no local 1.221 casos.

O município de Cruzeiro do Sul tem 78.507 habitantes e é o campeão brasileiro de malária em números absolutos: ano passado foram 24.529 casos. Já a vizinha, Mâncio Lima, também é campeã, mas em termos proporcionais: com uma população de cerca de 18 mil pessoas, registrou 9.290 casos da doença em 2017.

A pesquisa de Fontoura integra o Projeto Temático: Bases científicas para a eliminação da malária residual na Amazônia brasileira, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado pelo professor Marcelo Urbano Ferreira, do departamento de Parasitologia do ICB. Além da aplicação de biolarvicidas, o projeto também envolve, em Mâncio Lima, a realização de um inquérito a cada seis meses, durante cinco anos, com entrevistas e coleta de sangue de pessoas com e sem a doença para determinar a prevalência de malária da região.

 

Coleta de larvas e mosquitos em 150 tanques

Desde o ano passado, Fontoura e sua equipe acompanham diariamente 150 tanques de criação de peixes e coletam amostras de larvas e de mosquitos capturados em armadilhas próximas a essas fontes de água. O material é encaminhado ao ICB, em São Paulo, para análise molecular e identificação das espécies do vetor da malária. “A maioria dos mosquitos capturados é de Anopheles, transmissor da doença, mas também coletamos outros mosquitos, como o Culex [pernilongo]. O biolarvicida mata todos eles”, informa o pesquisador. Ele conta com a ajuda dos técnicos Francismar Ribeiro da Silva, Marcílio da Silva Ferreira e Anderson Sarah da Costa.

Fontoura ainda conversa com as pessoas que moram nas proximidades dos tanques e aplica um questionário mensal. A equipe também verifica qual é a vegetação ao redor do tanque, se a borda está limpa, medem o Ph da água e avaliam a condutibilidade, fatores que influenciam na proliferação dos vetores. O pesquisador também verifica se os moradores estão fazendo uso de algum produto na água. Segundo ele, há relatos de pessoas que usaram óleo nos tanques, mas além de não eliminar as larvas, a prática pode matar peixes e polui as águas.

Na Vila Assis Brasil, muitos tanques estão ao redor de áreas naturais de alagado de buritizal. “Uma das perguntas da pesquisa é saber o quanto esses tanques artificiais contribuem para a densidade dos vetores, e qual é a proporção de larvas e mosquitos vindas desses ambientes naturais. Por estimativas conseguimos fazer isso seguindo esses tanques”, conta o pesquisador.

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Projeto piloto

O projeto piloto foi realizado em uma outra cidade da região, Rodrigues Alves, em 25 tanques de piscicultura. Os pesquisadores testaram os melhores biolarvicidas para o estudo de intervenção e os resultados foram positivos. “A partir de setembro vamos tratar os tanques na Vila Assis Brasil e analisar os impactos que esse tratamento vai trazer na redução da malária e no diagnóstico das pessoas. Serão dois anos de estudo”, informa. Os biolarvicidas são de uso comercial e aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Santitária (Anvisa).

Este projeto é baseado em uma iniciativa semelhante, desenvolvida na Tanzânia, na África, pela pesquisadora Marcia Castro, da Universidade de Harvard e uma das participantes do Projeto Temático. “Na Tanzânia, os biolarvicidas foram aplicados inclusive em áreas urbanas e ajudaram a reduzir os casos da doença. A população foi treinada e educada para ela mesma aplicar o produto na água”, comenta Fontoura.

 

Municipalização da saúde

De acordo com o professor Marcelo Urbano Ferreira, essa região do Vale do Juruá, onde Mâncio Lima e Cruzeiro do Sul estão localizadas, sofreu muito com a municipalização do serviço de combate à malária, que vem ocorrendo ao longo dos últimos anos. “Deixou de ser uma incumbência do Estado e foi transferido para os municípios. Mas eles receberam essa incumbência sem receber os recursos e os insumos para isso”, aponta.

Segundo o professor, a municipalização atrapalha a logística de distribuição de insumos, como aqueles utilizados no diagnóstico laboratorial. “Em Mâncio Lima, eles receberam os veículos para auxiliar no trabalho de combate à doença, mas não há dinheiro para manutenção, gasolina, peças. E muitos funcionários, que antes eram do Estado, passaram a ter seus salários pagos pelo município”, conta. “Algo semelhante ocorreu em Acrelândia, em 2013, quando ocorreu a municipalização do serviço na cidade naquele ano.”

Fomento e colaboradores

Além da Fapesp, o projeto tem financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Saúde do Brasil e do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIAID/NIH) dos Estados Unidos.

Participam os pesquisadores Paulo Ribolla, do Instituto de Biociências de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp); José Bento Pereira Lima e Simone Ladeia-Andrade, do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz/RJ); João Marcelo P. Alves, do ICB/USP; Carlos E. Cavasini, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp); Marcia C. Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos; e de Gabriela Gomes, da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, na Inglaterra.

 

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Acompanhe nas próximas semanas a reportagem especial do Jornal da USP sobre as pesquisas do Instituto de Ciências Biomédicas no Acre

Mais informações: e-mail muferrei@usp.br, com o professor Marcelo Urbano Ferreira


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