Novo método estima possíveis pontos sensíveis à ruptura em pontes de concreto

Metodologia poderá ser usada para avaliar resistência das lajes de concreto armado de pontes a rompimentos que ocorrem bruscamente

 Publicado: 01/10/2024 às 15:50     Atualizado: 08/10/2024 às 13:34

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Diego Facundini*

Projeções sobre a resistência do concreto armado eram muito otimistas, entretanto, nas últimas décadas, houve uma mudança significativa em diversas normas e a estimativa passou a ser bem menor - Imagem: Fotomontagem Jornal da USP com imagens de: Aneesh Prodduturu/Pexels; kjpargeter/Freepik

Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP desenvolveram uma metodologia simplificada para verificar a resistência de lajes de pontes de concreto armado em relação a dois mecanismos de ruptura: a força cortante (cisalhamento) e a punção. Ambos ocorrem de maneira brusca, sem sinais prévios, e por isso requerem atenção especial na elaboração de projetos para serem evitados. A partir de testes de laboratório, foram estimados os pontos mais sensíveis ao rompimento nas estruturas de concreto, o que permitirá ao método servir de base para a avaliação do estado das pontes.

artigo sobre o trabalho, publicado na revista científica ACI Structural Journal, recebeu o Prêmio Mete A. Sozen de Excelência em Pesquisa Estrutural, promovido pelo Instituto Americano de Concreto (ACI). “Muitas pontes ao redor do mundo, construídas entre as décadas de 1970 e 1980, estão atingindo o final da sua vida útil de projeto, que em geral ocorrem quando atingem 50 anos de idade”, afirmaram ao Jornal da USP o engenheiro Alex de Sousa, primeiro autor do artigo, e o professor Mounir Khalil El Debs, da EESC. El Debs foi orientador do trabalho, em colaboração com a professora Eva Lantsoght, da Universidad San Francisco de Quito (USFQ), no Equador. “Para que essas pontes possam continuar a ser usadas, elas precisam passar pela chamada ‘reavaliação de estruturas existentes’. Nesse tipo de análise tentamos verificar se as estruturas mais antigas conseguem atender aos códigos normativos mais atuais”, destaca o professor.

foto do pesquisador Alex Micael Dantas de Souza, um homem de cabelos e olhos escuros, usa uma camisa cinza e está sorrindo

Alex Micael Dantas de Sousa - Foto: CV Lattes

“As pontes construídas décadas atrás foram projetadas para receber veículos mais leves, enquanto as normas atuais recomendam que as pontes sejam projetadas para veículos mais pesados”, explicam os pesquisadores. “De forma simplista, o peso dos veículos considerados em projeto passou de 36 toneladas, das décadas de 1970 e 1980, para 45 toneladas atuais. Ou seja, os carregamentos atuais das pontes aumentaram significativamente”.

Foto do pesquisador Mounir Khalil El Debs, um homem de cabelos e barba grisalha, olhos claros. Ele usa um paletó cinza esverdeado, uma camisa branca e uma gravata cinza. Esboça um sorriso.

Mounir Khalil El Debs - Foto: EESC-USP

Sousa e El Debs apontam que as expressões usadas antigamente para estimar a resistência do concreto armado eram muito otimistas. No entanto, nas últimas décadas, houve uma mudança significativa em diversas normas e a estimativa passou a ser bem menor do que aquilo que se imaginava décadas atrás. “Em diversos países da Europa, por exemplo, essa constatação deu a entender que as pontes não atendiam aos critérios de segurança. Caso isso fosse verdade, seria preciso reforçar cerca de 600 pontes apenas na Holanda, que é um país muito pequeno, com um custo muito significativo para todos os países”, relatam. “Só que as pontes estão todas de pé, sem problemas relacionados ao cisalhamento, indicando que as formas de verificação da resistência não estavam bem ajustadas ou eram muito conservadoras. E daí concluiu-se posteriormente, através de diversos estudos, que eram necessárias algumas correções.”

De acordo com os pesquisadores, nas lajes de concreto armado, a ruptura por força cortante ou cisalhamento acontece quando um esforço ou tensão faz duas partes da mesma laje deslizarem uma em relação à outra. “Ela geralmente ocorre com pequenos níveis de deformação da estrutura e de maneira muito frágil, ou seja, sem aviso prévio aos usuários das estruturas. Assim, essa ruptura geralmente é considerada mais perigosa e exige atenção redobrada”, ressaltam. “O cisalhamento também pode ocorrer quando se tem cargas concentradas em pequenas áreas sobre a laje, o que geralmente classificamos como punção. Só que, neste caso, a ruptura ocorre em duas direções, também mediante o aparecimento de fissuras inclinadas ao redor da área carregada.”

Esquema mostra como acontece a ruptura por força cortante ou cisalhamento. Logo abaixo, são mostradas duas fotos com estruturas de concreto. Á esquerda, a estrutura está em cima de uma mesa, acoplada a uma máquina. À direta, há outra foto mostra a peça com ruptura.

Ruptura por força cortante ou cisalhamento acontece quando um esforço ou tensão faz duas partes da mesma laje deslizarem uma em relação à outra; no caso da punção, geralmente define-se um perímetro ao redor da carga que contribui para sua resistência - Foto: cedida pelos pesquisadores

Rupturas

“Nas abordagens mais tradicionais, considera-se que apenas uma largura da laje, chamada de largura colaborante ou largura efetiva, contribui na resistência à força cortante das lajes. Entretanto, analisando-se a resistência de diversas lajes ensaiadas em laboratório, observou-se que, na verdade, essa resistência reduz à medida que a carga se afasta do apoio”, observam Sousa e El Debs. “Isso ocorre por dois motivos: um é que a ruptura passa a ser determinada pela punção e não mais pela força cortante, e o outro é que quando a carga fica mais afastada do apoio perde-se a resistência decorrente do efeito de arco.”

Os pesquisadores afirmam que, no caso da punção, geralmente define-se um perímetro ao redor da carga que contribui para sua resistência. “Nas avaliações mais tradicionais, considera-se que todas as bordas contribuem de maneira igual na resistência. Além disso, é estimado um perímetro de controle constante, independente da largura da laje”, descrevem. “Entretanto, analisando resultados experimentais da literatura, verifica-se que a força concentrada que causa a ruptura aumenta até determinado ponto à medida que a largura da laje aumenta. Na prática, observamos que a contribuição de algumas bordas do perímetro de controle pode ser prejudicada para lajes com largura reduzida, fazendo com que o mecanismo de ruptura fosse relacionado à força cortante e não a punção.”

“Nas verificações de resistência à força cortante, levamos em conta que a largura que colabora com a resistência diminui à medida que a carga se afasta do apoio, fazendo com que as rupturas se tornem mais locais, como de fato é a punção. Além disso, também incluímos um parâmetro relacionado ao efeito de arco para considerar a melhora da resistência em cargas mais próximas do apoio”, dizem Sousa e El Debs. “No caso da resistência à punção, considerou-se que cada borda do perímetro de controle contribui de forma diferente, de acordo com a posição da carga e a largura da laje. Por exemplo, a mais próxima do apoio pode ter uma resistência maior devido ao efeito de arco, e as laterais podem ter uma contribuição reduzida a depender da largura da laje. Já no caso da borda posterior, esta não seria nem beneficiada nem prejudicada.”

“Foi possível eliminar o excesso de conservadorismo obtido nas verificações de resistência à força cortante para cargas muito próximas do apoio e, também, as previsões inseguras para cargas muito distantes do apoio, que geralmente apresentavam ruptura por punção. Nas verificações de resistência à punção, foi reduzido o número de previsões inseguras quando a largura das lajes é reduzida”, salientam os pesquisadores. “Cabe ressaltar que o estudo foi validado até o momento para representar o comportamento observado em ensaios de laboratório. Portanto, a próxima fase da pesquisa visa verificar a abordagem proposta para ensaios que levem em consideração a combinação de cargas concentradas e maiores espessuras de lajes praticadas em pontes.”

De acordo com Sousa e El Debs, no Brasil não existem recomendações específicas sobre o tema nas normas técnicas de pontes. “Portanto, espera-se que os métodos propostos possam servir de orientação para projetistas nas áreas de projeto, gestão e manutenção dessas estruturas”, enfatizam. “Além disso, a metodologia pode ser discutida no meio técnico para ser incorporada em futuras revisões das normas técnicas de pontes na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)”. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, por meio de auxílios de doutorado e pós-doutorado.

Mais informações: e-mail mkdebs@sc.usp.br, com o professor Mounir Khalil El Debs

*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado


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