A arte faz a hora. Não espera acontecer

Mesmo sem projeto curatorial, MAC expõe 60 obras de artistas como Antonio Lizárraga, Maria Bonomi e Manabu Mabe

 17/05/2017 - Publicado há 7 anos
Por
Polivolume: Disco Plástico, 1953/62, de Mary Vieira – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.
Uma iniciativa inédita do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, sempre empenhado em aliar a sua coleção às pesquisas desenvolvidas na Universidade de São Paulo, coloca, sob a apreciação dos paulistanos, 60 obras que marcam a trajetória do seu acervo como um dos mais importantes da América Latina. São pinturas, gravuras e esculturas que estavam na reserva técnica do antigo MAC da Cidade Universitária. Porém, como o espaço na atual sede do Ibirapuera, que deveria acolher essas obras, ainda está em reforma, a atual direção decidiu apresentá-las no terceiro andar, mesmo sem um projeto curatorial e sem estar aliadas a um tema específico.

Com o título Reserva em Obras, a mostra exibe trabalhos que há muito tempo não são expostos. Sem curadores, mas com o seu brilho próprio, há  trabalhos  de  Antonio Lizárraga, Karl Harfungi, Waldemar Cordeiro, Maria Bonomi, Manabu Mabe, Tomie Ohtake, Flávio Shiró, Yolanda Mohalyi, Antoni Tápies, Serge Poliakoff, Mary Vieira e Anatol Wladyslaw, entre outros.

Reserva em Obras, segundo Ana Gonçalves Magalhães, professora e curadora do MAC, não se limitará à atual sala. “Não se trata apenas de ocupar só o terceiro  andar. Ele apenas é o primeiro de outros dois espaços, incluindo o anexo expositivo”, esclarece. “A ideia veio da necessidade de acomodarmos todas as obras de nosso acervo na nova sede do MAC, ao mesmo tempo em que aguardamos as obras de adequação das reservas técnicas definitivas do prédio.”
.

Délfica, 1963, de Flávio Shiró – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.
Ana observa que Reserva em Obras é uma estratégia curatorial que visa à conservação das obras, exibindo-as em maior número possível. “Então, embora ela não tenha um conceito curatorial, envolve a atividade de curadoria na medida em que foca a exibição do acervo do museu, com o intuito de preservá-lo e não deixar de divulgá-lo enquanto aguardamos a adequação das reservas técnicas da nova sede.”

Certo é que a sensação de ver as esculturas, xilogravuras, pinturas saindo da reserva da antiga sede do MAC na Cidade Universitária, onde estavam devidamente acondicionadas, é de que a arte vive e respira. Desde novembro do ano passado, esse prédio na Cidade Universitária passou a ser o Espaço das Artes dos departamentos de Artes Plásticas, Artes Cênicas e Música da Escola de Comunicações e Artes – ECA USP,  onde são apresentados os trabalhos dos alunos sob a coordenação dos professores.

A arte existe. Existe. E existe.
Maria Bonomi

.
Reserva em Obras
equacionou um problema – ou seja, como garantir a preservação das obras – com a estética e originalidade do acervo. Certo é que os trabalhos dos artistas habitaram o terceiro andar com a coerência e experiência dos 54 anos da instituição. Logo na entrada, está o famoso O Beijo, de Waldemar Cordeiro. O objeto eletromecânico, que simula uma boca que abre e fecha como um beijo, está, nesta mostra, sem movimento. A boca fechada está ali para lembrar 1967, ano da morte de Che Guevara, quando os muros de São Paulo foram cobertos pelas imagens do guerrilheiro criadas por artistas como Claudio Tozzi.

O Beijo, 1967, de Waldemar Cordeiro – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.
Interessante também o encontro de obras de Maria Bonomi doadas para o MAC e divulgadas pelos curadores em algumas exposições. A mais curiosa é Rosácea, uma mesa de vidro com espelho na parte inferior, que reúne várias esculturas e, ao mesmo tempo, projetam o ambiente com os visitantes e os quadros ao redor. “Esta peça foi criada em 1985. Há duas peças, uma foi doada ao acervo do MAC, a outra foi para a Fundação Padre Anchieta. A mesa suporte e design é assinada por Haron Cohen”, conta Maria Bonomi. “Acho interessante essa mostra. Claro que o projeto curatorial dilata o conhecimento e a percepção da arte, enriquecendo a sua fruição”. A artista ressalta, no entanto, a essência e existência de cada obra. “A arte existe. Existe. E existe.”

Rosácea, 1985, de Maria Bonomi – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.
Além de Rosácea, estão as xilografias Escada e Anteprojeto, de 1966 e Pente, Tempo…, de 1993. As obras dão uma mostra do movimento criativo de Maria Bonomi. A surpresa é observar o diálogo que as obras dos artistas vão sugerindo no espaço.

.O vermelho no espaço

Os visitantes vão se deparar com as diversas formas e tons do vermelho. Os quadros dos nipo-brasileiros Manabu Mabe, Tomie Ohtake, Kazuo Wakabayashi e de Antonio Lizárraga estabelecem uma conversa. Uma harmonia no tempo e no espaço. Argentino que fixa residência em São Paulo, Lizárraga muda-se para São Paulo em 1959, iniciando uma trajetória pelas artes gráficas, gravura, pintura, escultura. A mostra, no entanto, foca a fase em que ele fica imóvel, depois do acidente vascular cerebral em 1983. Trabalha com a ajuda de assistentes e o seu silêncio fica expresso no vermelho, no preto, nos tons que se fecham. Como bem aponta Annateresa Fabris, historiadora da arte, crítica e professora da ECA, suas telas são impregnadas de um sentido lúdico, da relação entre espaço e matéria.

“Impossibilitado de realizar fisicamente suas obras, Lizárraga transforma o desenho num instrumento propedêutico graças ao qual a ideia adquire progressivamente o caráter de um traçado diagramático. Configura-se uma nova operalidade, que aprofunda o viés intelectual dos momentos anteriores, ganhando um registro inicial através de um recurso como o ditado. Assistido por colaboradores, o artista orienta oralmente a execução de linhas, pontos, planos, formas, cores, que são transpostos para um papel milimetrado, matriz projetual dos posteriores desdobramentos da ideia em desenho, pintura, escultura, etc.”, observa Annateresa.

O tempo passa, 1979, de Manabu Mabe – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.

Vermelho, 1985, de Tomie Ohtake – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.

Retângulo para um Polígono de Quatro Lados, 1992, de Antonio Lizárraga – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.
Yolanda Mohalyi: mergulho no abstracionismo

A surpresa da exposição é o conjunto de obras de Yolanda Mohalyi.  Estão expostas sete das 29 obras doadas pela família ao acervo do MAC. Pintora e desenhista que nasceu em Kolozsvar, na Hungria, se estabeleceu em São Paulo em 1931. Iniciou sua trajetória pintando paisagens e cenas do cotidiano, em que prioriza as casas e a gente do povo. Porém, o que os visitantes do MAC terão oportunidade de observar é o abstracionismo lírico dos anos 1960 e 1970. Os quadros estão ali no espaço e, apesar de não ter nenhuma proposta curatorial, o visitante é envolvido pelas cores da artista.

Outono, 1972, de Yolanda Mohalyi – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.

A Grande Viagem, 1969, de Yolanda Mohalyi – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

.

[cycloneslider id=”mac_cultura”]

.

Reserva em Obras reúne 60 0bras do acervo do MAC USPPode ser vista às terças, das 10 às 21 horas, e de quarta a domingo, das 10 às 18 horas. A entrada é gratuita. Local: Avenida Pedro Álvares Cabral , 1.301. Informações: (11) 2648-0258
.


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.