“Observar as instituições é muito mais do que descrevê-las, é uma obrigação com a sociedade brasileira”

Evento realizado pelo Centro Observatório das Instituições Brasileiras discutiu os problemas enfrentados na questão de gênero, em especial na área jurídica

 Publicado: 11/04/2024
Faculdade de Direito da USP – Foto: Divulgação/FD

Um debate franco e aberto sobre os problemas enfrentados na questão de gênero em todos os âmbitos da sociedade, com recorte para a área jurídica, pautou o seminário organizado no Centro Observatório das Instituições Brasileiras (COI) na Sala da Congregação da Faculdade de Direito (FD) da USP. O evento é uma das etapas do COI, que tem como objetivo o desenvolvimento de atividades científicas interdisciplinares relacionadas ao ensino, à pesquisa e à extensão.

Na mesa de abertura, a vice-reitora da USP, Maria Arminda Arruda, presidente do COI, e os professores Celso Campilongo, diretor da FD, e Fernando Facury Scaff, coordenador do COI, assinalaram a importância de se discutir o tema.

No primeiro painel, a juíza Helena Refosco tratou de diversos problemas enfrentados pela mulher para ingressar principalmente na Academia e no Judiciário, bem como para alcançar postos de poder. A seu lado, a vice-diretora da FD-USP, Ana Elisa Bechara, apresentou as questões do dia a dia.

O terceiro bloco teve a mesa composta com a professora Eunice Prudente,  de Direitos Humanos e Direito do Estado; e os professores Sebastião Tojal, Fernando Menezes, Fernando Facury Scaff e Rubens Beçak.

De acordo com Campilongo, observar as instituições é muito mais do que descrevê-las, é uma obrigação com a sociedade brasileira. “Um observatório desse tipo tem a função de identificar quais são as carências e tendências da sociedade, para identificar e oferecer a contribuição acerca desse debate”, afirmou.

Em sua fala, Facury Scaff explicou o funcionamento dos centros, ressaltando o debate que cabe a cada uma das instituições. “Decidimos, enquanto universidade, que deveríamos ter um centro específico para as humanidades. A lógica não é apenas tratar cultura e humanidades. É podermos agregar muito mais conteúdos”, disse.

Maria Arminda explicou o caminho percorrido pela USP para criar o Observatório. De acordo com ela, os primeiros sinais surgiram quando o Brasil estava vivendo um momento agônico, ocasião em que foi criado o USP Pensa Brasil. “Precisávamos pensar as questões das instituições e propor uma forma de discurso”, disse. Adiante, acrescentou que envolve uma sensibilidade muito maior para a construção de pesquisas acadêmicas: “Ele é propositivo para propor medidas para interferir em políticas e dialogar”.

Professor Celso Campilongo, vice-reitora da USP, Maria Arminda Arruda e Professor Fernando Facury Scaff
Professores Fernando Menezes de Almeida, Fernando Facury Scaff, Eunice Prudente, Rubens Beçak e Sebastião Tojal
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Entre os dados apresentados por Heloísa Refosco, está a composição da magistratura. O Justiça em Números de 2023 aponta que há somente 38% de juízas titulares; 25% de desembargadoras (TJ-SP, 10%); 18% nos Tribunais Superiores. Entre 2008 e 2018, a ampliação do porcentual de desembargadoras não chegou a 1%, passando de 24,9% para 25,7%. Em contrapartida, na Europa, as mulheres juízas correspondem a 58,5%.

Ressaltou ainda a discriminação existente nos tribunais e adicionou a Resolução 255/2018 do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário. “Até o início da década de 1980, o Tribunal de Justiça de São Paulo, durante mais de cem anos de funcionamento, não aprovou nenhuma mulher para o cargo de juíza. Entendo que isso, por si só, já fala da discriminação que existiu e ainda propaga seus efeitos”, assinalou.

Rubens Beçak aproveitou a segunda rodada para explicar as discussões pertinentes ao Observatório. “Temos dois debates importantes: a democracia e teoria geral do estado e direitos humanos e teoria geral do estadão”, informou.

Sebastião Tojal assinalou que o Brasil está vivendo um momento muito importante do ponto de vista institucional e a universidade precisa estar aberta para esse processo. “A Teoria do Estado e todos os colegas que com ela convivem têm procurado trazer para a discussão na academia essas questões”, disse. Acrescentou que ele e a professora Maria Paula Dallari Bucci têm uma matéria na pós visando ao redesenho institucional.

Acerca da democracia, Menezes de Almeida trouxe ao debate parte de uma visão mais ampla da separação dos poderes, com um olhar específico para a Constituição de 1988 e para o fenômeno do Judiciário. “A Constituição de 1988 quis restabelecer um padrão democrático no Brasil. Naquele momento diversas forças políticas presentes tiveram um certo esforço conciliatório. A percepção que tenho é que a CF de 88, por comparação com as Constituições anteriores – e por comparação com toda tradição constitucional do Brasil – entregou para o Poder Judiciário muito mais poder”, disse.

Eunice abriu sua fala com uma análise de acompanhamento das instituições políticas. “Temos de ampliar o debate sobre as questões de gênero, de orientação sexual”, disse. A docente adicionou o fato de este ano ser de eleições. “Sabemos que alguns candidatos vão dizer que cuidaram da habitação, por exemplo, mas a saúde vai ficar para a próxima gestão, como se o ser humano não fosse sujeito de direitos humanos fundamentais”, observou. “Eles são interdependentes. Se deixou de cuidar da Saúde, se não cuidou devidamente da Educação, já ofendeu a dignidade das pessoas. Esta Constituição diz que a dignidade humana é um dos pilares para sustentar a República”, assevera.

Direitos fundamentais

“Se olharmos Jean-Jacques Rousseau, ele faz uma distinção entre a vontade de todos e a vontade geral. Ele vai estabelecer a seguinte lógica: só será legítimo aquilo que o povo vier a estabelecer”, afirmou Facury Scaff. De acordo com ele, a lógica é posta nesse sentido.

Por fim, Beçak ressaltou que as visões dos direitos humanos e constitucionais mudaram nos últimos anos, bem como várias legislações. “Isso obriga a uma reflexão para quem trabalha o Direito no presente. Não dá para se falar mais em democracia como ela era ensinada anteriormente. Talvez não se desse a estatura à questão como a dos direitos humanos, por exemplo”, finaliza.

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Texto: Kaco Bovi, Faculdade de Direito


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