Tese da legítima defesa da honra não é mais compatível com nossos princípios constitucionais

Segundo Helena Lobo da Costa, é preciso entender que essa tese não é simplesmente uma tese defensiva, é uma tese que tem anos e anos de aplicação em casos de maridos ou companheiros que mataram mulheres ou tentaram matar essas mulheres

 18/05/2023 - Publicado há 12 meses
A tese da legítima defesa da honra leva à absolvição daquele que matou ou tentou matar uma mulher – Fotomontagem de Guilherme Castro com imagens de Pixabay e domínio público
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Doca Street e Ângela Diniz, na Praia dos Ossos. Esse foi um dos casos mais famosos no qual a tese da legítima defesa da honra foi utilizada. “Ela é usada em casos de homicídios dolosos e, durante muito tempo, essa tese foi muito aceita no Brasil, sobretudo em casos de mulheres que eram vítimas de homicídio porque seus maridos, seus companheiros, descobriam ou apenas desconfiavam de uma possível infidelidade”, diz a professora Helena Lobo da Costa do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

“Embora já tenha diminuído um pouco a incidência desse tipo de discussão, ela continua acontecendo até hoje em várias cidades do País, especialmente no interior”, ressalta a professora. O ministro Dias Toffoli foi o relator de uma liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, que propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) a proibição do uso da tese da legítima defesa da honra em qualquer fase do julgamento. “Ela não é uma tese de diminuição de pena ou de menor gravidade do crime, ela é uma tese que exclui a prática criminosa. Então, ela leva à absolvição daquele que matou ou tentou matar uma mulher”, explica Helena. 

Ela acrescenta: “O plenário do Supremo concordou, ou seja, confirmou essa liminar dada pelo ministro Toffoli. Agora, a Procuradoria Geral da República (PGR) se manifesta nesse mesmo sentido, ou seja, de que a legítima defesa da honra não pode mais ser admitida nesse tipo de caso no nosso país. O Supremo vai julgar a causa com maior detalhamento de análise de prova, porque agora já não vai ser mais uma decisão cautelar ou liminar, mas sim uma decisão de mérito mais definitiva”.

Helena Lobo da Costa – Foto: Reprodução/Direito-USP

Nos casos de crimes dolosos contra a vida, cabe ao Tribunal do Júri, composto de sete pessoas leigas que responderão questões de “sim” e “não” com base na materialidade, autoria, e outros fatores relacionados ao caso. “Os jurados decidem com base na sua consciência, ele (tribunal) não precisa justificar a decisão como no caso do juiz. O juiz, quando toma uma decisão,  tem que justificar explicando juridicamente quais foram as provas, os argumentos jurídicos que ele usou para chegar à sua conclusão”, pontua Helena.

A PGR também coloca que, se a tese da legítima defesa da honra for utilizada durante o processo penal ou no julgamento perante o Tribunal do Júri, o caso deve ser passado para um novo tribunal: “Parece que a dificuldade vai ser identificar aqueles casos em que a motivação para a absolvição foi exatamente a legítima defesa da honra e, então, permitir essa apelação ao tribunal e a determinação de um julgamento por novo júri”, diz a especialista.

Próximos passos

O STF ainda precisa julgar a ADPF, mas, segundo a professora, é muito provável que a decisão seja positiva: “A gente teve essa decisão na medida cautelar tomada por unanimidade. Então, existe um indicativo muito forte de que a posição do Supremo vai ser de reconhecer que essa tese da legítima defesa da honra não é mais compatível com os nossos princípios constitucionais”.

É importante ressaltar que essa decisão é muito importante, já que não é apenas para uma ocasião isolada: “Não é o Supremo decidindo um caso específico de uma pessoa, é o Supremo analisando um instituto jurídico à luz da Constituição e dando uma decisão que tem validade para todas as pessoas. A gente precisa entender que essa tese não é simplesmente uma tese defensiva, é uma tese que tem anos e anos de aplicação em casos de maridos ou companheiros que mataram mulheres ou tentaram matar essas mulheres, casos absurdos, e isso foi reconhecido. Eu acho que hoje a gente vem passando por um momento de conscientização muito forte do problema da violência doméstica contra a mulher, a introdução do feminicídio”, pontua Helena.


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