Taxação do cigarro só terá impacto na luta antitabagista se for acompanhada de outras medidas

Para Jaqueline Scholz e Pedro Forquesato, a tributação sobre o produto pode se tornar ineficaz se não for acompanhada pelo combate ao comércio ilegal

 04/10/2023 - Publicado há 7 meses
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A tributação age diretamente no tabagismo ao inibir novos usuários e incentiva o fumante em seu processo de desintoxicação – Foto: wirestock/Freepik
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A tributação sobre os cigarros foi estabelecida como uma das políticas para o combate do tabagismo no Brasil, de acordo com uma pesquisa realizada em parceria do Instituto do Câncer (Inca) com a Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Em paralelo a isso, a questão do tráfico ilegal de drogas também se mostrou influente na epidemia do tabagismo brasileira. 

Pedro Forquesato, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP, aponta que cerca de metade dos cigarros consumidos no País provém do mercado ilegal, em que a tributação não segue os padrões estabelecidos. Assim, mesmo com uma política de taxação relativamente alta, sem a devida fiscalização, torna-se ineficiente. 

Impostos

Forquesato pontua que, mesmo sendo necessária a taxação para o controle e arrecadação fiscal do Estado, o mercado do tabaco, que engloba os diversos tipos de cigarro, apresenta uma demanda pouco flexível. “O cigarro é um bem que a gente chama, em economia, de inelástico, ele é muito pouco elástico, quer dizer que, quando você aumenta o preço, as pessoas reduzem pouco o consumo, porque isso tem um efeito de vício”, explica o professor.

Pedro Forquesato – Foto: FEA

Com a Reforma Tributária em curso, a discussão acerca do Imposto Seletivo – uma taxa sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente que visa à desestimulação ao seu consumo – parece envolver diretamente o comércio de cigarro no Brasil. No entanto, Forquesato esclarece que o impacto do novo imposto poderá não ser tão efetivo no combate ao tabagismo, na medida em que substituirá aquele já existente.  

Por outro lado, Jaqueline Scholz  professora da Faculdade de Medicina da USP, considera que a tributação age diretamente no tabagismo ao inibir novos usuários e incentiva o fumante em seu processo de desintoxicação. Além disso, Forquesato chama a atenção para as denominadas “externalidades” – em economia, são os efeitos colaterais de uma determinada ação sobre terceiros – que envolvem o cigarro, a partir do fumo passivo. Assim, em diferentes níveis, a taxação de tal comércio se faz extremamente necessária do ponto de vista médico. 

Saúde, economia e segurança 

A partir dessa política antitabagista, mais do que efeito positivo na saúde da população, Jaqueline ressalta os benefícios estratégicos da cobrança de impostos e fiscalização de sua boa aplicação. “Qualquer política pública que visa a inibir a iniciação e amplia a cessação de tabagismo é muito bem-vinda, porque, além de trazer um impacto na vida do indivíduo, também repercute em termos de pautas públicas em saúde”, analisa a professora. Assim, a política contribui com a arrecadação fiscal e, simultaneamente, alivia a sobrecarga do sistema de saúde com comorbidades oriundas do tabagismo que são preveníveis.  

Jaqueline Scholz – Foto: Arquivo Pessoal

Todavia, na visão da professora, o Brasil vai enfrentar dificuldades com a aplicação eficaz da política, na medida em que houve uma contenção de cerca de 30% das verbas destinadas ao Ministério de Segurança, um dos órgãos responsáveis pelas políticas voltadas para o controle da criminalidade, ao comércio ilegal. “Atualmente, metade dos cigarros que são consumidos no Brasil é contrabandeada. E essa parcela não paga impostos, esse é o propósito do contrabando. Então, isso faz com que essa política pública seja muito menos eficiente, porque você está tributando uma parcela dos cigarros, enquanto outra você não consegue tributar”, afirma Forquesato. 

Além disso, sob o viés econômico, o professor ressalta o prejuízo com o comércio ilegal, visto que o mercado do cigarro é bastante significativo no campo de arrecadações por seu alto consumo. Outro ponto também levantado consiste na preocupação sobre a procedência de mercadorias contrabandeadas, uma vez que não passam por qualquer órgão de segurança. A política de tributação, assim, relaciona-se com a saúde, economia e segurança, de forma que uma ação contra o comércio ilegal se estabeleça para tornar viáveis e vantajosas tanto a estratégia de saúde pública quanto econômica. 

Caminho percorrido 

“Uma das políticas públicas que a própria OMS coloca nas suas diretrizes desde a sua 43ª assembleia é reduzir publicidade e aumentar preço de imposto, isto é, proteger ambientes do cigarro”, comenta Jaqueline Scholz. A proibição da venda de cigarros com aditivos aromáticos também representa um avanço nas políticas públicas, uma vez que torna o produto menos atrativo e prazeroso. 

Acerca dos tratamentos para o tabagismo, a professora aponta o ambulatório do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP como um dos primeiros a disponibilizar um acompanhamento individual que revelou resultados mais efetivos que tratamentos coletivos. Jaqueline explica que, atualmente, a abordagem se baseia em um tripé: cuidado psicológico, analisar o estado emocional do paciente e qual o papel desempenhado pelo cigarro; técnica comportamental, um fumo restrito para não associar o cigarro a outras atividades, e tratamento terapêutico para auxiliar nos momentos de abstinência. 

Como formas de políticas mais importantes, a professora cita o papel da educação acerca do tabagismo e seus impactos na saúde nas escolas desde a infância, a fim de promover a conscientização. Forquesato entende a necessidade de uma política de controlar o contrabando como mais eficaz para lidar com o cenário atual brasileiro e o consumo de cigarros. 

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo


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