Pesquisadores brasileiros analisaram alunos do País nascidos entre 2000 e 2005 e identificaram que cerca de 48% deles não concluíram o ensino fundamental no tempo esperado de nove anos, além disso, 10% abandonaram a escola antes de chegar ao último ano. A professora Vivian Batista, da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo, analisa os fatores que influenciam no atraso escolar e os efeitos que essas reprovações podem causar nas relações interpessoais e no futuro dos estudantes.
A especialista conta que, segundo a Lei nº 11.274 (6 de fevereiro de 2006), a criança deve ingressar no ensino fundamental com 6 anos e, como o ensino fundamental I conta com cinco séries, a previsão é que, não ocorrendo nenhuma repetência, ela conclua essa etapa com 10 anos. Após isso, o estudante parte para o ensino fundamental II, que tem quatro anos, portanto, deve ser cumprido aos 14 anos e, em seguida, o ensino médio, com três anos.
Segundo a docente, mesmo os alunos tendo a mesma idade, não é possível garantir que todos vão aprender o mesmo conteúdo de maneira igual. Ela reforça que a aprendizagem ocorre em movimento e de diferentes formas dentro de uma sala de aula, com alunos da mesma faixa etária, portanto, devem ser consideradas as questões ligadas ao cognitivo, as experiências sociais e as interações sociais entre os estudantes.
“Cada vez mais vamos percebendo que, se a nossa ideia é que a escola seja para todos, as tentativas de homogeneização acabam produzindo desigualdades, porque vão desconsiderar as várias formas de aprendizagem dos estudantes. E isso está ligado não só à sua capacidade cognitiva, mas também a uma série de outros elementos que estão envolvidos nas trajetórias”, explica.
Impactos no futuro
Conforme a professora, a sensação de repetir um ano escolar reverbera em efeitos negativos para a vida social da criança, porque ela vai estar inserida em uma nova classe, com alunos mais novos e com as quais não tinha muito contato, o que pode deixá-la isolada. Além dos problemas de autoestima e de relações sociais, a docente conta que, algumas vezes, reprovar um aluno pode ser mais prejudicial do que deixá-lo seguir para outras séries, ao mesmo tempo em que o ajuda a buscar diferentes maneiras para aprender.
“Eu acho que as escolas precisam pensar sobre os seus tempos e espaços para ensinar e aprender, que hoje ainda estão muito voltados para as classes homogêneas. Como a gente sabe, as aprendizagens acontecem no plural e estão em permanente movimento, não são assim tão lineares e progressivas quanto parecem. Talvez seja um momento de repensar as organizações tradicionais da escola”, reforça.
Diferenças socioeconômicas
De acordo com Vivian, há diversos estudos comprovando que os estudantes que mais fracassam na escola são aqueles com condições sociais e econômicas mais desfavorecidas, acrescidas de outras questões raciais e de gênero. Ela afirma que os estudantes mais pobres, os negros e as mulheres são grupos que tendem a ter mais dificuldades nas relações dentro da sociedade e essa situação se reflete no desemprenho dentro do âmbito escolar.
Para a especialista, é importante que a observação dos casos de estudantes que são reprovados e que têm dificuldades em aprender não pode se restringir a percepções individuais: “Penso que precisamos alargar a perspectiva de análise. Nós precisamos buscar explicações que não podem se restringir apenas a características pessoais dos estudantes, mas precisam pensar nas interações e nas formas pelas quais são acolhidos e quais são as regras através das quais eles passam pela vida escolar”.
Transição e adaptação
Para a professora Fraulein de Paula, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos, também estabelecido pela Lei nº 11.274, não foi bem estabelecida pelas redes escolares e ainda hoje, quase duas décadas depois, apresenta complicações. Ela destaca que uma das principais dificuldades de adaptação dos estudantes é a transição da educação infantil para o ensino fundamental, que muitas vezes é feita de forma inadequada.
Conforme a docente, as redes escolares possuem um grande desafio de receber as crianças vindas da educação infantil e apresentar uma nova configuração de experiência de aprendizado. Além disso, segundo ela, muitas crianças não conseguem vagas nas creches e outras instituições infantis, portanto, o ensino fundamental acaba sendo sua primeira experiência escolar.
“O maior desafio é pensar como essa escola vai conseguir ter condições de oferecer essa transição para que a criança construa a capacidade de interagir de um modo diferente, de prestar atenção, de conter seus movimentos. Talvez seja importante criar um ambiente mais semelhante ao da educação infantil, com mesas menores, com atividades mais lúdicas e menos curricularizadas. O desafio se dá em termos de adaptação afetiva e social, de aprender a se relacionar em espaço diferente, com pessoas diferentes e se encontrar ali”, explica.
Soluções
Para Fraulein, os fatores externos à escola sempre vão existir e devem ser considerados, por isso, é fundamental que as redes escolares ofereçam recursos para essas condições, com o intuito de contornar os problemas individuais de cada estudante. “Acredito que o mais importante não é do que ou de quem é a culpa, mas o que podemos fazer dadas tais condições, o que a gente pode oferecer a despeito dessas circunstâncias? Nós passamos muito tempo buscando razões para o fracasso, desistência e repetência nas condições que são externas àquilo que está sob controle dos nossos sistemas escolares”, discorre.
A especialista afirma que um papel fundamental da escola no processo educativo formal é oferecer alternativas para as defasagens nos currículos dos estudantes e reforça que, muitas vezes, é mais fácil lidar com o problema quando ele está no início, pois tem menos variáveis envolvidas e diminui as chances de acumulação de defasagem. “Se a criança não tem livro em casa, a escola tem. Hoje em dia quase todas as escolas têm uma biblioteca muito bem equipada com livros, tem a sua sala de informática, então, se a criança não tem, a escola que vai oferecer”, finaliza.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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