Prestes a completar o primeiro ano de governo, Lula se vê às voltas com desafios

José Álvaro Moisés faz um breve balanço do primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a partir dos resultados obtidos por pesquisas de opinião

 13/12/2023 - Publicado há 5 meses
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Lula está prestes a completar o primeiro ano do seu terceiro mandato como presidente da República. Por essa razão, um conjunto de institutos de pesquisa publicou os resultados da avaliação do governo pela população. De um modo geral, esses resultados mostraram que, passados quase 12 meses desde a sua chegada ao novo governo, o presidente Lula segue tendo o apoio majoritário dos entrevistados, embora em alguns casos os dados mostrem ligeiro aumento da avaliação negativa. Por outro lado, ao comparar o apoio ao presidente com o mesmo indicador para Jair Bolsonaro, o principal líder de oposição ao governo, o universo de eleitores ouvidos pela pesquisa se mostrou dividido em três terços: o primeiro, majoritariamente favorável a Lula, o segundo revelando apoio minoritário a Bolsonaro e o terceiro formado por pessoas que avaliam apenas como regular o desempenho do governo.

A variação de governos é um fator indispensável da análise da qualidade da democracia. Isso porque a dinâmica do regime democrático não se esgota na realização de eleições periódicas para autorizar a formação de governos nem tampouco no desempenho de instituições fundamentais como o Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal, mas também nos resultados práticos alcançados, tanto do ponto de vista simbólico como nos seus significados concretos.

É a partir desse parâmetro que alguns aspectos da ação do atual governo podem ser considerados remédios para muitas questões importantes, mas há pelo menos três aspectos que podem ajudar na avaliação do governo Lula. O primeiro diz respeito ao contexto das eleições de 2022. A democracia estava sob ameaça naquele momento por um governo que desconstruiu muitos dos avanços consolidados com a democratização do País. Apoiado por uma diversidade de forças políticas, Lula empalmou a bandeira da defesa da democracia e, apesar da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, o governo tem assegurado ao País uma atmosfera de liberdade. O Executivo não representa mais uma ameaça contra instituições como o STF e o Congresso Nacional. Não é pouco, mas mesmo proclamando o desejo de reunificar o País, por vezes o presidente e o seu partido voltam a termos que estimulam a polarização política que, ao invés de unir, aprofunda a divisão do País.

Um segundo aspecto se refere às relações entre o Executivo e Legislativo, um fator fundamental para a aprovação de propostas governamentais no Congresso, a exemplo das políticas sociais e políticas econômicas. Por vezes parece que o governo não entendeu direito uma mudança institucional que está em curso no País desde a crise política de 2014, com a fragilização da estrutura da presidencialismo de coalizão. Desde o mandato de Eduardo Cunha na presidência da Câmara até agora, com o Arthur Lira, o Congresso tem se empoderado cada vez mais de prerrogativas que eram do Executivo. A nova realidade, com o orçamento impositivo, emendas individuais, emendas de bancadas e a mudança de alguns procedimentos internos de funcionamento das casas, parte substancial do orçamento está agora em mãos dos parlamentares e não mais de propostas do Executivo. Nesse contexto, a formação de uma coalizão nos moldes de 20 anos atrás, quando Lula foi presidente pela primeira vez, não está dando os resultados esperados, haja vista o voto negativo de parlamentares de partidos que, em tese, compõem a coalizão de governo. Para dizer o mínimo, isso ameaça a aprovação de importantes propostas de política econômica feitas pelo ministro Fernando Haddad.

Finalmente, o terceiro aspecto diz respeito ao retorno do Brasil ao contexto das relações internacionais. Indo em direção oposta ao que fez Bolsonaro no seu governo, Lula reassumiu, com base no prestígio que tinha ganhado em período anterior, o protagonismo próprio da diplomacia presidencial e tem procurado se apresentar não apenas como um defensor da paz mundial, mas também como um propagador das necessidades de reforma da ONU. Apresentando-se como um humanista, o presidente tem insistido na tese de que os conflitos podem ser superados se as partes em litígio sentarem para conversar. Embora a defesa da paz seja elogiável, parece um pouco ingênua por vezes a ideia de que apenas conversando a causa dos conflitos desaparecerá. Não é assim que funcionam as relações internacionais. Os países defendem os seus interesses e não apenas se apoiam em valores como o da defesa da paz.


Qualidade da Democracia
A coluna A Qualidade da Democracia, com o professor José Álvaro Moisés, vai ao ar quinzenalmente,  quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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