Padronização do sistema agroalimentar leva à perda de biodiversidade e impulsiona crise climática

A padronização da alimentação mundial baseada em ultraprocessados tem causado uma mudança na paisagem agrícola e prejudicado o ser humano, alerta Juliana Tângari

 30/10/2023 - Publicado há 6 meses
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“Resgatar, preservar e fomentar culturas alimentares sócio e biodiversas deve ser prioridade de governos, empresas, e de organizações que financiam atividades para a saúde pública e para o combate à mudança climática” –  Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Wikimedia Commons

 

 

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A monotonia pode ser penosa para muitas pessoas. O problema é que, há mais de 70 anos, o mundo vem passando por isso no sistema agroalimentar. A padronização nas paisagens agrícolas, nas raças de animais criados para a alimentação e no consumo de produtos industrializados indica uma invariabilidade alimentar, que é maléfica para o ser humano e para o meio ambiente. 

A partir do pós-guerra houve uma mudança nos hábitos alimentares. Cada vez mais as famílias passaram a consumir alimentos industrializados e ultraprocessados. Estes, inclusive, nem comida são, mas sim substâncias obtidas por meio do fracionamento de alimentos in natura. “Por diversas causas, chegamos a um resultado que é uma padronização global de hábitos alimentares, cada vez mais baseados em uma alimentação rápida, à base de produtos industrializados e ultraprocessados, e concentrada em poucos ingredientes”, diz Juliana Tângari, diretora do Instituto Comida do Amanhã.

Juliana Tângari – Foto: Arquivo Pessoal

Ela explica que essa mudança vem a partir da ascensão das classes médias em diferentes continentes, da entrada das mulheres no mercado de trabalho formal, da globalização e, principalmente, do modelo de crescimento econômico. O aumento da produção e consumo de produtos ultraprocessados tem impactos sérios na saúde“O problema é que, de um lado, estamos imersos num cenário de aumento constante de doenças crônicas derivadas dessa alimentação não saudável. De outro, uma seríssima perda de biodiversidade que compromete os limites do planeta e nos impulsiona para a emergência climática que vivemos hoje”, fala a diretora. 

Segundo a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU, 38% da terra no globo terrestre são utilizados para a agropecuária. Um terço disso é usado para a agricultura, sendo que quatro culturas são predominantes: cana-de-açúcar, milho, arroz e trigo. 

Dados do Conab mostram que a safra brasileira de 2022/23 produziu 322.752,8 mil toneladas de grãos, sendo que mais da metade é relativa à produção de soja (154.617,4 mil toneladas) e milho (131.865,9). Para efeito de comparação, trigo é o terceiro grão mais produzido, mas totaliza apenas 10.817,5 mil toneladas. 

Como mudar esse cenário? 

“Resgatar, preservar e fomentar culturas alimentares sócio e biodiversas deve ser prioridade de governos, empresas e de organizações que financiam atividades para a saúde pública e para o combate à mudança climática”, diz Juliana. O mês de setembro foi o mais quente já registrado, com temperaturas mais altas que a média de julho de 2001 a 2010. Este ano pode, também, ser o mais quente da história. Isso decorre da emissão de gases do efeito estufa, dos quais cerca de 20% são metano. Desse total, 32% são liberados pelo gado e 8% pelo cultivo de arroz

Para Juliana, uma forma para contornar essa situação é pela disseminação de informação que gere conscientização sobre os desafios provocados pela má alimentação moderna. Além disso, uma solução seria pensar em caminhos para adotar uma alimentação saudável e em harmonia com o planeta. 

“Além disso, ampliar uma produção agrícola diversificada e rica em opções nativas, que tenha baixa emissão de carbono, e harmoniosa com as culturas de povos tradicionais, além de espacialmente distribuída para estar cada vez mais próxima das cidades e grande centros de consumo de alimentos”, diz. 

Ela ainda lembra que é importante que programas públicos e privados de alimentação estejam pautados pela garantia de acesso universal à alimentação saudável. Para atingir isso, seria necessário fomentar ambientes alimentares saudáveis e sustentáveis, além de garantir o correto emprego de incentivos fiscais, de tributação e desincentivos que contribuam para reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados. 

*Sob supervisão de Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo


Boletim Alimentação e Sustentabilidade

Parceria: Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis, Rádio USP e Jornal da USP 
Produção: Professor Ricardo Abramovay, Estela Sanseverino e Nadine Marques
Coprodução: Cinderela Caldeira, Guilherme Castro Sousa, Julia Estanislau e Alessandra Ueno
Edição: Rádio USP
Você pode sintonizar a Rádio USP SP 93,7 MHz e Ribeirão Preto 107,9 MHz, pela internet em www.jornal.usp.br ou nos principais agregadores de podcast
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