“Assumir a cátedra vai muito além de mim e do que eu sinto. É uma forma de honrar todos aqueles que sempre trabalharam comigo defendendo a escola básica, especialmente a escola pública, que atende mais de 80% das nossas crianças e jovens. É com eles que eu caminhei todos esses anos em pesquisas.” Esse é o sentimento da professora Bernardete Gatti, que na segunda-feira passada, dia 22, assumiu a titularidade da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP, em cerimônia realizada na Sala do Conselho Universitário da USP. Formada em Pedagogia pela USP e doutora em Psicologia pela Universidade Paris VII Denis Diderot, na França, Bernardete – que já atuava como membro do Conselho Consultivo da cátedra – assume a nova função no lugar do professor Naomar de Almeida Filho, titular da cátedra desde 2020.
“A ideia é contribuir para valorizar a educação básica. É preciso melhorar as condições de trabalho e a forma como ela se estrutura”, explica a professora em entrevista ao Jornal da USP. “Os trabalhos da cátedra são mais focados na formação e no desenvolvimento dos professores, mas isso não dispensa a questão da aprendizagem. A formação do professor não é possível sem pensar na aprendizagem dos estudantes, porque o trabalho dele é de convivência pedagógica”.
Em seu discurso de posse, no dia 22, a educadora citou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, que defende a criação de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. “É importante tomar a educação inicial e os que a realizam como prioridade. Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade a da educação: nem a ciência nem as profissões famosas nem a economia, pois estas dependem da cultura, e cultura quem provê é a educação”, discursou Bernardete. Ela ainda reiterou a importância da educação básica com qualidade, e não apenas com números. “Não adianta termos 99% das crianças de tal faixa etária inseridas na educação básica sem pensarmos em qual é a educação e qual é o tipo de formação que oferecemos”.
Ainda na cerimônia de posse, Bernardete falou sobre o atual cenário da educação: “Pesquisas constatam uma certa perda de sentido da escola por parte de professores e estudantes. Perda de finalidade esvaída em provas cognitivas, competições, individualismo, prêmios e exclusões, imposição de modelos, rigidez organizacional. Na escolarização, não basta formar cérebros, é preciso formar pessoas com consciência social, mas a efetividade dessa formação só se obtém se os conhecimentos, que são a matéria-prima da escola, forem trabalhados com seu valor científico, cultural e social, e integração indissolúvel na direção das finalidades visadas”.
“É importante tomar a educação inicial e os que a realizam como prioridade” (Bernardete Gatti)
Ao Jornal da USP, Bernardete adiantou parte de seus planos à frente da cátedra. “Para este ano, elaboramos um projeto de grupos de estudo que vão desenvolver reflexões sobre aspectos que consideramos cruciais para o futuro da educação, como currículo e os ciclos do ensino fundamental”. Segundo ela, os grupos vão tratar de quatro temáticas: Currículo, Escola de Educação Básica, Docência e as Aprendizagens; Uma Etapa Quase Esquecida: Anos Finais do Ensino Fundamental, Iniciativas Inovadoras e a Formação de Professores; “Integração de Escolas de Educação Básica com Seu Entorno Cultural, Social e Econômico Visando Entender as Questões de Sustentabilidade e Equidade; e “Educação Escolar, Mundo do Trabalho e Práticas Sociais: os Saberes e as Tecnologias. A cátedra também continuará a oferecer minicursos, colóquios e encontros, com o intuito de socializar as ideias e acompanhar o desenvolvimento da educação nos estados brasileiros.
Ao se despedir do cargo de titular da cátedra, o professor Naomar Almeida Filho observou que o modelo da cátedra universitária, antes e ainda hoje contestado, pode se renovar. “Com a reforma universitária de 1968, houve uma certa demonização do modelo de cátedra na universidade brasileira, inclusive sendo celebrada a sua extinção. Eu acredito que é possível, sim, que se tenha superado o modelo antigo de cátedra, mas a Universidade de São Paulo tem um histórico de se recriar e recriar seus formatos institucionais. Nossa preocupação era sobre como faríamos da cátedra algo realmente inovador e transformador, e creio que o que avançamos dá conta de que isso é possível”, disse Almeida Filho.
Criada em 2019, a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP tem como objetivo “identificar medidas que subsidiem políticas para o ensino básico a partir da análise de experiências inovadoras e de ações relacionadas à formação e desenvolvimento profissional de professores”.
O vídeo que mostra a cerimônia de posse da professora Bernardete Gatti na Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP, no dia 22 de abril, está disponível no site do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
* Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro.
