"Sistema Nacional de Educação dará coesão ao ensino no Brasil"

Projeto em tramitação na Câmara dos Deputados será tema de conferência on-line, nesta quinta-feira, dia 14, do professor Carlos Roberto Jamil Cury, da Universidade Federal de Minas Gerais, que abrirá as atividades deste ano da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP

 12/03/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Ricardo Thome*

Arte: Joyce Tenório**

Sistema Nacional de Educação é tema de conferência de abertura das atividades da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP em 2024 - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Reprodução/Freepik e Anditii Creative/Flaticon

A implantação de um Sistema Nacional de Educação (SNE) – prevista na Constituição Federal de 1988, mas ainda não concretizada – vai permitir que as diferentes unidades federativas trabalhem em conjunto, dando coesão nacional à educação e, ao mesmo tempo, respeitando as peculiaridades locais e regionais. É o que afirma o professor Carlos Roberto Jamil Cury, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que nesta quinta-feira, dia 14, às 9 horas, fará a conferência de abertura das atividades da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP em 2024. Intitulada Sistema Nacional de Educação: Um Desafio para o Federalismo Cooperativo, a palestra será transmitida ao vivo pelo canal da cátedra na plataforma Youtube. O evento é grátis.

Banner de divulgação do evento - Foto: Reprodução/Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica

O objetivo é enfrentar um legado histórico que ainda conhece desigualdades sociais, disparidades regionais e, muitas vezes, a ausência de um sentido positivo da diversidade”, afirma Cury. Atualmente o SNE encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, depois de passar pelo Senado, como o Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019.

Antes mesmo de o PLP entrar em discussão, outros documentos já sugeriam a criação de um Sistema Nacional de Educação, lembra Cury. Além da Constituição, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996, cita a necessidade de ações colaborativas em prol da educação no Brasil. O Plano Nacional de Educação (PNE) do ciclo 2014-2024 também previa a instauração de um sistema que organizasse o ensino no País até 2016, o que não ocorreu. O SNE seguiu sendo tema nos encontros do Fórum Nacional de Educação (FNE) e da Conferência Nacional de Educação (Conae), sem avanço concreto.


A Conae 2024, ocorrida no início deste ano, porém, teve o SNE como tema de seu eixo número um, o que alimenta as expectativas para que o cenário se altere, acredita Cury. “Agora, é necessária uma regulamentação que faça escoar, de uma forma orgânica, essas instâncias de negociação e de pactuação. São termos muito interessantes do ponto de vista jurídico e da ciência política. O que a Conae propõe é um pacto em vista de uma coordenação, e não de uma ordenação”, destaca o professor.

O professor Carlos Roberto Jamil Cury - Foto: Univesp/Youtube

Desconfianças

A lentidão e os entraves do processo se devem, na visão de Cury, à complexidade do Brasil, uma república federativa composta por municípios, estados, Distrito Federal e a União. “Esses polos necessitam ser autônomos e harmônicos entre si, por meio de um regime de reciprocidade. Esse é um ponto que exige uma alta capacidade política de correlação entre o poder Legislativo e o Executivo e, sobretudo, a dimensão do financiamento”, explica.

Em se tratando de um país com 26 Estados, um Distrito Federal e quase 5.600 municípios, realizar a articulação entre essas unidades – que se somam à União – não é simples. Mais do que fazer a coordenação entre elas, há também, segundo Cury, uma desconfiança histórica de três “atores” quanto à criação de um Sistema Nacional de Educação.

O primeiro desses atores é a rede privada. Como conta o professor, “no passado, desconfiava-se de que um Sistema Nacional de Educação pudesse ser uma espécie de formalização do monopólio da educação pelo Estado”. A justificativa, na prática, não se sustentava nos termos da lei. “Do ponto de vista legal, nunca houve nenhuma proposta nesse sentido. Pelo contrário, tivemos experiências de completa ou quase completa liberdade de ensino.” Cury cita como exemplo medidas implementadas no Brasil em 1879 e 1911, que representaram um “total recuo e abdicação” do Estado no que se refere à oficialização do ensino. De acordo com o professor, essas medidas acarretaram um crescimento desenfreado de iniciativas privadas na educação, que não tinham base para a validade dos graus acadêmicos. “No segundo caso, durante o governo de Hermes da Fonseca, as escolas de ensino superior abertas passaram a ser chamadas de ‘cadeiras elétricas’, em referência à velocidade ‘elétrica’ com que se concediam os certificados e diplomas. Como não havia uma validez oficial, houve uma explosão de ‘práticos’.”

O segundo ator apontado por Cury são os poderes das unidades federativas, que teriam o receio de perder sua autonomia. “Essa desconfiança, que poderia ter algum lastro nas formas constitucionais de 1891, 1934, 1937 e 1964, por exemplo, cai por terra juridicamente e legalmente com a Constituição de 1988”, explica o professor.

Já o terceiro ator é o Executivo federal, que, segundo Cury, “sempre desconfiou de que a União seria um ‘cofre’ para atingir metas, e não um ator significativo, ou de que, apesar de uma grande proposta de colaboração, o peso do financiamento em relação às metas recairia sobre a União”. O professor ressalta que nenhuma dessas desconfianças foi abolida por completo.

Outro fator apontado por Cury para a dificuldade de se instaurar um regime colaborativo de educação está nas alterações que ocorrem a cada troca de comando no governo. Para ele, com exceção da atuação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), privilegiam-se “instrumentos legais dignos, mas frágeis, como portarias e decretos, em detrimento de instrumentos legais fortes, tais como emendas constitucionais”, além de programas em detrimento de políticas permanentes, o que ele define como um “eterno recomeço”.

Creche, ensino médio e ensino integral

Apesar das dificuldades históricas e práticas, o professor da UFMG acredita que o Documento Referência, divulgado pela Conae no mês passado, já traz avanços. “É um texto bem detalhado e incisivo, embora não tenha força vinculante”, afirma. Como ponto positivo do documento, Cury destaca a proposta de criação da Cibe (Comissão Interfederativa Básica de Educação), que atuaria na coordenação, negociação e pactuação entre Estados e municípios.

Para o professor, as noções de metas e estratégia são essenciais para que, no Plano Nacional de Educação do ciclo 2024-2034, a ideia saia do papel, finalmente. Elas esbarram, porém, nas questões de financiamento. “Se você tem cinco pessoas vivendo em uma casa e, dentro de um determinado tempo, essa casa precisa abrigar dez pessoas, será necessário contar com vários recursos para dar cobertura digna a elas nesse tempo.”

No que diz respeito às metas, Cury cita três como as mais importantes: o acesso às creches, ao ensino médio e à educação em tempo integral. As creches são, na visão do professor, “demandas socio-antropológicas que abrangem um grande número de crianças”, mas têm, como fator limitador, seu custo. O ensino médio, por sua vez, deve se adequar à faixa etária ideal (entre 15 e 17 anos), diferentemente do que propunha o Plano Nacional de Educação anterior, que permitia que 15% dos estudantes estivessem fora dessa faixa.

Mas o fator de maior relevância, para Cury, é a educação em tempo integral. Segundo ele, a maior parte dos países bem-sucedidos em rankings educacionais adota esse sistema, que permite, entre outros benefícios, que os professores tenham um único emprego fixo e suficiente para seu sustento, que os alunos consigam ter já no ensino médio uma imersão na educação profissional e que seja aberta a possibilidade de propiciar aos estudantes o contato com áreas que extrapolam os conhecimentos tradicionais exigidos – entre elas, cultura, arte, música e esportes.

A conferência Sistema Nacional de Educação: Um Desafio para o Federalismo Corporativo, com o professor Carlos Roberto Jamil Cury, será realizada nesta quinta-feira, dia 14, às 9 horas, com transmissão ao vivo pelo canal da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP na plataforma Youtube. Evento grátis. Não é preciso fazer inscrição. Mais informações estão disponíveis no site da cátedra.

* Estagiário sob supervisão de Roberto C. G. Castro

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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