Juntando teatro e neurociências, livro “Arte no Viver 60+” coroa projeto que dura mais de 10 anos

Obra mostra como as capacidades físicas e cognitivas de pessoas com mais de 60 anos podem ser potencializadas pelo fazer teatral

 14/10/2022 - Publicado há 2 anos
Imagem: Reprodução / Editora Appris

 

Teatro e neurociências. Da união dessas duas áreas que aparentam ser tão distintas nasceu o Projeto Só com Experiência, iniciativa de desenvolvimento pessoal voltado para a terceira idade, que agora foi transformada no livro Arte no Viver 60+. A obra tem autoria de Maria Inês Nogueira, professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e coordenadora do Laboratório de Neurociências, e de Adenilson Matos do Nascimento, mestre em psicologia pela USP. Resultado da continuidade da pesquisa realizada durante o mestrado do psicólogo, o livro descreve as experiências de um grupo de teatro do ICB para maiores de 60 anos, vinculado ao Programa USP 60+.

Por meio de relatos e da análise clínica dos membros do grupo, o livro mostra que o fazer artístico, o teatro e a dança podem elevar não só as capacidades físicas dos participantes, como também trazer resultados para a melhora de aspectos cognitivos do envelhecimento, como perda de memória, atenção e dificuldade de aprendizado. Trata-se de algo inédito no Brasil, visto que projetos anteriores focavam nas artes cênicas de uma forma geral, sem o enfoque no teatro.

“O livro analisa os benefícios das atividades no âmbito da neurociência – campo da ciência que investiga o sistema nervoso (cérebro, medula espinhal e nervos periféricos) e suas ligações com toda a fisiologia do corpo humano, impactando os mais diversos processos do organismo”, explica Nascimento. A pesquisa foi realizada em 2012 e entre 2014 e 2017, mas a obra foi lançada em agosto de 2022.

 

Trabalho individualizado

No grupo, são realizadas atividades somáticas, de reeducação corporal e treinamento cênico. As atividades também são adequadas à idade dos participantes. Há, por exemplo, tempo necessário para que o texto seja decorado e que cada indivíduo supere suas dificuldades. Já a evolução motora dos alunos é feita em três níveis: básico, com rolamentos e rastejamentos; médio, com dois ou três apoios (pés e mãos) para realizar os deslocamentos, e avançado, com o participante em pé.

Adenilson Matos do Nascimento – Foto: Marcos Santos / USP Imagem

“Durante essas atividades, observávamos os movimentos de cada participante, e mostrávamos a eles quais partes da musculatura do corpo estavam sendo estimuladas em determinado exercício. Para eles, isso era um conhecimento pontual, mas para nós havia um valor maior: entender como a observação consciente do movimento resulta em ganhos para o indivíduo. Era aí que entrava a nossa observação neurocientífica”, explica Nascimento.

“Pensamos que é algo simples, corriqueiro, mas algumas pessoas chegam ao grupo sem conseguir se sentar no chão, se levantar ou ficar de cócoras sem ajuda. Trabalhando os músculos, o tônus, a massa, e respeitando os limites de cada um, propomos situações que possibilitam a recuperação desses movimentos”, explica Nascimento, que atua como diretor de teatro no grupo.

Maria Inês Nogueira – Foto: Reprodução / ICB

“Isso inclui ganhos à capacidade de expressão facial e postura do corpo, melhoras na respiração e na frequência cardíaca. Tudo isso influencia nas emoções do ator e vice-versa”, complementa Maria Inês, destacando que esse trabalho também ajuda a conter a morte celular. “Desde que nascemos, estamos perdendo neurônios com o tempo. Alguns de maneira mais acelerada, por conta do estresse, de vícios, doenças, entre outros fatores, e outros de maneira mais lenta. O teatro e a sociabilização que o programa propõe promovem o desaceleramento desse processo de morte celular.”

Segundo a neurocientista, muitas vezes os participantes não reconhecem o quanto evoluíram cognitivamente, na capacidade de perceber os outros e de se autovalorizar. “Isso é algo inédito do nosso trabalho, que funciona independentemente da idade”, afirma.

“O ser humano nunca vai deixar de ser criativo e essa criatividade está justamente na possibilidade de estabelecer novos contatos, novas sinapses, rearranjar o circuito”, acrescenta Nascimento.

 

Potencial ilimitado

A obra mostra que é possível ter uma vida ativa, do ponto de vista físico e mental, independentemente da idade, desde que não haja uma patologia grave. Não há limite de idade para o fazer artístico. “O livro chama a atenção para essas questões importantes na vida das pessoas com mais de 60 anos e traz uma lição: podemos deixar de lado o que aconteceu no passado e focar no aqui e agora, trazer esse prazer de viver ao lado da criatividade”, conta Maria Inês.

A neurocientista ainda destaca outro resultado gratificante do processo: aquele que se estende às famílias. O teatro estimula a sociabilidade dos atores, além de levantar a curiosidade para um novo repertório cultural. Sobre isso, Nascimento relembra uma história que ouviu de uma participante há alguns anos: “Uma senhora comentou que chegava em casa nas festas e ficava cuidando do neto, da comida, e de vez em quando alguém dava atenção a ela. Depois que começou a participar do teatro, ela virou o centro das atenções. Todos se reuniam em volta dela para saber qual o personagem que ela estava fazendo, quem era esse tal de Shakespeare de quem ela falava o dia inteiro. Um dos filhos comentou que a literatura dela mudou. Antes eram só livros religiosos, e depois também lia várias coisas de teatro, dança…”

Foto: reprodução / ICB

Serviço

As aulas de teatro acontecem na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, em Pinheiros. Às quintas-feiras, às 16 horas, o grupo desenvolve ensaios e outras atividades de cunho teatral, sob supervisão de Nascimento e da equipe. A iniciativa, cujas inscrições abrem em janeiro, faz parte do Programa 60+, projeto de cultura e extensão da USP para pessoas com mais de 60 anos. Ainda assim, o grupo está sempre aberto a interessados que queiram conhecer o programa e fazer uma aula experimental.

O programa USP 60+ surgiu em 1994, por iniciativa da professora Eclea Bosi, com o objetivo possibilitar à população idosa o aprofundamento de conhecimentos em áreas de seu interesse e uma maior qualidade de vida. O ICB promove diversas atividades pelo programa: além do grupo de teatro, são realizados cursos e palestras sobre fisiologia, anatomia e o processo de envelhecer de maneira saudável e tranquila.

Aulas de Teatro do Programa 60+

Quintas-feiras, às 16 horas
Biblioteca Alceu Amoroso Lima – Rua Henrique Schaumann, 777 – Pinheiros, São Paulo
Mais informações: adenilson@usp.br

 

Com informações de Felipe Parlato e Gabriel Martino – Assessoria de Comunicação do ICB/USP


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