Pela primeira vez em sua história, a Câmara Municipal de São Paulo determinou a cassação de um de seus vereadores por causa de comentários racistas. A sessão que cassou o mandato do vereador Camilo Cristófaro aconteceu na terça-feira da semana passada, 19 de setembro. O processo teve origem em maio de 2022, quando, numa sessão virtual da Casa, vazou uma fala do então vereador com a seguinte frase: “Eles não lavaram nem a calçada, é coisa de preto, né?”. No plenário da Câmara em que foi votado o processo de cassação, o placar terminou com 40 votos “sim” pela cassação por quebra de decoro, 5 abstenções e nenhum voto “não”.
“Não seria possível qualquer outro resultado. Afinal, a frase é explícita e flagrantemente racista. O racismo, como todos nós sabemos, é crime!”, destaca a professora Antonia Quintão, pós-doutora pela Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP e atual presidenta do Geledés – Instituto da Mulher Negra. “A banalização e a disseminação do racismo através de piadas e anedotas precisam ser coibidas de maneira exemplar. Neste sentido a cassação teve adicionalmente um papel pedagógico e educativo”, avalia a docente, ressaltando que a “aprovação da lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo e amplia as penas já está em vigor”.
Agora, como destaca Antonia Quintão, a injúria racial é inafiançável, imprescritível e pode ser punida com reclusão de 2 a 5 anos. A pena será dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. “Também haverá aumento se o crime de injúria racial for praticado em eventos esportivos ou culturais e para finalidade humorística. Piadas e brincadeiras ofensivas e depreciativas que causam constrangimento e humilhação devem ser permanentemente combatidas”, adverte ela.
Como uma “fratura exposta”
Para o professor Celso Oliveira, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga, “o racismo provoca sentimentos semelhantes ao de uma fratura exposta: dor, medo, asco.” De acordo com o docente, que também integra o Grupo de Docentes Negras e Negros da USP e a Associação dos Docentes da USP (Adusp), o crime de racismo tipificado no Código Penal brasileiro e, mais recentemente, o crime de injúria racial equiparado ao primeiro continuam a ser praticados todos os dias no nosso País. “Restrinjo a ele, pois as leis citadas são a deste País”, reforça.
Segundo Oliveira, a fala racista de Camilo Cristófaro ainda é repetida por muitas pessoas. “E por que é tão grave partindo dele? Tal ofensa, ao ser dita por um representante do povo, é o incentivo necessário para que as pessoas que se sentem representadas por ele possam fazer o mesmo, ou seja, o direito de ser racista”, lamenta o docente. Em sua curta análise do fato, Oliveira afirma que o que move o ex-vereador a ter uma fala assim está em dois fatores: a certeza da impunidade e o pensamento egorracista inculcado na cabeça do homem branco. “Alguns parlamentares acreditam que, por terem conseguido alguns milhares de votos, tudo podem, inclusive há um termo que funciona como um escudo, a chamada imunidade parlamentar”, descreve o professor.
“A cassação deste homem branco é pedagógica e a imprensa trata como a primeira cassação de um político por racismo. Se realmente o for, fica a dubiedade de celebrar que finalmente tenha ocorrido ou de lamentar todos os anos em que este tipo de gesto aconteceu nos parlamentos brasileiros sem que nada fosse feito”, analisa o docente.
Além de ter sido cassado por suas declarações racistas, notícias recentes, como a que está publicada no Portal Geledés, dão conta de que o mesmo ex-vereador é agora investigado por lavagem de dinheiro e corrupção na movimentação de R$ 730 mil em 2020. De acordo com a reportagem, “o valor se refere a depósitos e pagamentos de contas feitos entre funcionários e Camilo. Ou seja, Cristófaro é suspeito de envolvimento em esquema de rachadinha”.