Após 20 anos sendo ponto de encontro entre ciência e arte, a revista Sala Preta encerra suas atividades. A publicação do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP fecha duas décadas de história com uma edição totalmente dedicada ao Teatro Oficina, publicada com data de dezembro de 2020.
De acordo com o professor Luiz Fernando Ramos, editor da revista ao lado da professora Sílvia Fernandes, uma série de circunstâncias contribuiu para o fim da publicação, destacando-se aí as atuais dificuldades para se manter uma revista acadêmica de excelência, seja em termos de estrutura operacional, seja de entrega pessoal.
O professor, que fundou a revista ao lado de Sílvia, conta que, ao longo dos 20 anos da publicação, por duas vezes transferiu as responsabilidades de editor. Na segunda vez, depois de dois anos o substituto decidiu que não poderia continuar à frente do cargo. Foi o momento de acender a luz de emergência.
“Antes de se procurar um novo editor entre os vários professores de nosso programa que poderiam assumir essa tarefa, percebemos que havia um problema anterior, quase crônico, que era a nossa crescente incapacidade de atender aos parâmetros de excelência atuais, e o quanto esses parâmetros tinham se tornado insensatos e pouco estimulantes”, explica Ramos. “Percebemos que tínhamos cumprido um ciclo vitorioso de 20 anos e que talvez fosse a hora de um novo projeto, tão inovador quanto o da Sala Preta foi em seu início, para começar com sangue novo e novas perspectivas.”
Esse início inovador da Sala Preta foi inspirado pela coleção francesa Voix de la Création Théâtrale, que trazia dossiês sobre espetáculos e encenadores de destaque. “Aos poucos, dada a inexistência de outras publicações de artes cênicas e com o crescimento e adensamento da pesquisa nessa área no Brasil, a revista começou a concentrar os resultados mais importantes da produção acadêmica brasileira na área e foi ganhando respeitabilidade”, lembra o professor. A passagem para as plataformas digitais veio em 2011, ampliando o alcance e a reputação da publicação.
Para Ramos, as principais contribuições da revista ao longo de seus 20 anos envolvem a reunião do que de melhor se produziu nas perspectivas científica e artística sobre artes cênicas. Além disso, o professor aponta a relevância dos dossiês sobre espetáculos marcantes e dossiês temáticos da publicação, que se tornaram “um modelo para outras revistas”.
É um desses dossiês, inclusive, que Ramos destaca como particularmente especial na trajetória da Sala Preta. Trata-se do segundo número de 2002, dedicado à montagem do Teatro Oficina de Os Sertões, baseada no livro de Euclides da Cunha. O primeiro dos cinco espetáculos que compõem a série estrearia no ano seguinte e integraria, para o professor, a contribuição mais expressiva que o Teatro Oficina ofereceu para a cena teatral brasileira nesse milênio. “Até por isso”, explica Ramos, “esse último número de 2020 homenageia o Teatro Oficina.”
Teatro Oficina é “o experimento mais longevo” do teatro brasileiroPara baixar as cortinas de uma trama encenada por 20 anos, a revista Sala Preta escolheu dedicar sua última edição integralmente ao Teatro Oficina, “o experimento mais longevo, singular e potente da teatralidade brasileira”, conforme os editores Luiz Fernando Ramos e Sílvia Fernandes anunciam no editorial da publicação. Com uma trajetória de mais de seis décadas, o grupo liderado pelo encenador, dramaturgo e ator Zé Celso Martinez Correa encarna, nas palavras dos editores, “uma vontade de saber que é prática, sempre atualizada nos corpos atuantes, e que percebe a vida como devoração, na inspiração da antropofagia de Oswald de Andrade, e rejeita o teatro metafísico, idealizado e espiritualizado, o teatro como ideia ou como expressão estética autônoma”. Três seções procuram dar conta de investigar o fenômeno Oficina. A primeira, Oficina pelo Oficina, agrega contribuições de artistas cujas trajetórias se cruzam com o grupo, abrindo com uma “louvação afetuosa” feita pelo próprio Zé Celso Martinez Correa, diretor do Oficina desde 1958. A segunda, O Oficina, traz ensaios de pesquisadores brasileiros sobre o grupo. A terceira, por sua vez, batizada de Oficina pela Crítica, é ao mesmo tempo homenagem a Mariângela Alves de Lima, crítica que acompanhou sistematicamente a trajetória do grupo, e reunião de sua fortuna crítica sobre o Oficina. A revista Sala Preta v. 20, n. 2, publicação do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, está disponível gratuitamente no Portal de Revistas da USP. |